Título: Falta de álcool distorce mercado e hidratado fica mais caro que anidro
Autor: Agnaldo Brito, Chico Siqueira
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2006, Economia & Negócios, p. B1

Combustível usado por veículos movidos a álcool passa a custar mais, apesar de ter água na sua composição

A falta de álcool nos estoques das usinas para abastecer o mercado durante a entressafra de cana provocou uma situação inédita no mercado de combustíveis: o preço do álcool hidratado, combustível que tem na composição até 7,4% de água e é utilizado pelos veículos com motor a álcool, superou o do álcool anidro, que é misturado à gasolina. A situação é apontada por especialistas como indicativo da confusão que se instalou no mercado de álcool no País.

Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea/Esalq), o álcool anidro - usado como aditivo na gasolina - foi negociado por R$ 1,1493 o litro (valor sem impostos), uma alta de 7% ante a semana anterior. O álcool hidratado foi vendido por R$ 1,1530 o litro, elevação de 7,5% em uma semana.

A conseqüência desta distorção deverá ser sentida com mais intensidade nos próximos dias pelos consumidores. A forte alta no preço do álcool hidratado continuará a ser integralmente repassada aos consumidores. A Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis) - entidade que representa os revendedores - espera para amanhã reajuste de até R$ 0,17 no litro de álcool hidratado.

"As distribuidoras estão informando aos postos que deverão repassar um aumento de R$ 0,17 por litro de álcool nos próximos dias. Não vai faltar álcool, vai faltar comprador para o álcool", ironiza Gil Siuffo, presidente da Fecombustíveis. Este poderá ser o maior reajuste no combustível desde que a União da Agroindústria Canavieira (Unica) comunicou ao governo que o acordo selado no início de janeiro não havia mais condições de ser cumprido.

O Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom) critica a forte elevação dos preços do álcool. Alísio Vaz, vice-presidente-executivo do Sindicom, afirma que, em algumas usinas, as distribuidoras compraram álcool a valores acima de R$ 1,15 por litro, em alguns casos a R$ 1,20.

Os donos de postos informaram que não irão amortecer nenhum aumento do álcool. Todo o reajuste será integralmente repassado na venda ao consumidor. O presidente da Fecombustíveis alega que o setor não tem margem de lucro suficiente para segurar reajustes transferidos pelas distribuidoras. "A margem de lucro obtida pelos postos na venda de álcool é metade daquela obtida com a gasolina", afirma.

CONTENÇÃO DE PREÇOS

O aumento da semana passada deu-se ao mesmo tempo que o governo anunciou a redução de 25% para 20% da mistura de álcool anidro na gasolina a fim de conter o consumo e a conseqüente alta do preço do álcool nas bombas. Mas os efeitos da medida ainda não puderam ser sentidos, de acordo com a pesquisadora Heloisa Lee Burnquist, do Cepea. "Os reflexos serão sentidos talvez a partir da próxima semana, pois a medida começa a valer a partir de 1º de março", avalia.

A pesquisadora diz que a alta se deve, entre outros fatores, a uma demanda reprimida causada pelo acordo de preços entre usineiros e o governo. "Houve pressão de mercado durante os 40 dias do acordo e agora essa pressão acabou", explica. Segundo ela, outra causa do aumento do preço do álcool nas destilarias foi uma corrida das distribuidoras às compras para fazer estoques para o mês de março, além da elevação da demanda no carnaval.

Segundo Heloisa, embora o reajuste seja um dos mais elevados da série semanal do Cepea na entressafra deste ano, o aumento de preços pode ter sua trajetória encerrada em breve. A antecipação da safra poderá, servir para isto, avalia a pesquisadora. A safra será aberta amanhã (leia texto ao lado).

Na opinião de Heloisa, as informações sobre uma redução do volume de álcool entregue pelas distribuidoras ao varejo foram pontuais, por isso não há risco de desabastecimento.

Para ela, a redução do índice de mistura serve muito mais para garantir o abastecimento durante a entressafra do que evitar uma elevação de preços nas bombas. "Mas, para que isto ocorra, o dono de carro flex tem de abastecer com gasolina. Ele tem de pensar que comprou um carro bicombustível e não um carro a álcool", afirma.

Produtor diz que sobra de cana é normal

O produtor de álcool Severino Meirelles, de Ribeirão Preto, contestou ontem a suspeita de manobra especulativa atribuída às usinas e destilarias por terem deixado de colher 3 milhões de toneladas de cana-de-açúcar no ano passado.

Segundo ele, numa safra de 150 milhões de toneladas, como a de São Paulo, esse valor corresponde a apenas 2% da produção - ou 12% da média de corte mensal. A suspeita de que poderia ter ocorrido retenção de matéria-prima para causar aumento nos preços do álcool foi levantada pela presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo (Sincopetro) na Região de Sorocaba, Ivanilde Vieira.

A região é uma das mais afetadas pela escassez de álcool no mercado. "Não há interesse especulativo, pois o que o setor quer é produzir cada vez mais", disse Meirelles, que produz e fornece cana para as usinas da região de Ribeirão Preto.

Segundo ele, é normal que uma pequena parte da cana deixe de ser colhida conforme as variações climáticas de cada região. Ele disse que a quantidade de álcool que poderia ser produzida com essa cana gira em torno de 300 milhões de litros, bem abaixo do potencial informado pelas usinas, de 2,4 bilhões de litros. Mas admitiu que, se colhida, essa cana amenizaria o quadro de escassez enfrentado neste momento no mercado. Segundo ele, o abastecimento vai se normalizar com o início da safra, que as usinas estão antecipando para o mês de março.