Título: Avança a reforma da Justiça
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Com a sanção da Lei 11.280 pelo presidente da República, alterando dez artigos do velho Código de Processo Civil da ditadura militar, a reforma infraconstitucional do Poder Judiciário deu mais um importante passo. Composta por 26 projetos encaminhados ao Congresso em dezembro de 2004 e elaborados pelo Ministério da Justiça em conjunto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e entidades de magistrados, promotores, advogados e professores de direito, seu objetivo é reduzir o número de recursos na legislação cível, penal e trabalhista, impedir a utilização da Justiça com fins meramente protelatórios, desburocratizar determinados procedimentos judiciais e criar condições para que as ações possam tramitar com maior rapidez.

Votada durante a convocação extraordinária do Congresso, a Lei 11.280 é a quinta já aprovada e sancionada do total de 26 projetos. Ela entrará em vigor no dia 18 de maio e, entre suas principais inovações, quatro merecem destaque. A primeira é a que autoriza os tribunais a disciplinar a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, com o uso da internet.

A segunda inovação confere aos juízes a prerrogativa de decretar "de ofício" - isto é, independentemente de provocação das partes - qual é o foro competente para o julgamento das ações em que são incluídas, nos chamados contratos de adesão, cláusulas de eleição de foro. Surgidos com o advento do consumo em massa e usados em larga escala por lojas de departamentos, financeiras, seguradoras e demais empresas prestadoras de serviço, esses contratos são padronizados e suas cláusulas são impostas unilateralmente pelo fornecedor de um produto ou serviço, sem que o consumidor possa discuti-las ou modificá-las. Trata-se de uma situação de desigualdade econômica entre as partes, em que a mais forte deixa à mais fraca a alternativa de "aderir ou largar".

A terceira inovação da Lei 11.280 permite aos juízes decretar, também sem provocação das partes, a prescrição do direito em discussão no processo. Com isso, as ações que continuavam tramitando até que uma das partes apontasse a prescrição poderão ser encerradas por iniciativa dos próprios magistrados. Essa é uma medida importante para desafogar as varas de execução fiscal, abarrotadas de processos com prazos já vencidos.

A quarta inovação tem o objetivo de agilizar a tramitação dos recursos nas instâncias superiores do Judiciário, pondo fim a um antigo e conhecido abuso na cúpula da instituição. Trata-se do expediente utilizado por muitos desembargadores e ministros de pedir vistas de um caso e engavetá-lo, adiando indefinidamente seu julgamento. Pela Lei 11.280, os magistrados terão de devolver os autos em no máximo dez dias. Terminado esse prazo, o presidente da corte tem a prerrogativa de requisitar o processo e de colocá-lo novamente em discussão em sessão ordinária, sem precisar mandar publicá-lo na pauta de julgamento. O prazo de dez dias vale tanto para processos novos quanto para aqueles que já estão com pedidos de vista.

Essa medida já é prevista por uma resolução do STF desde 2003, que estabelece o prazo de 30 dias para os pedidos de vista, mas sempre foi desrespeitada por alguns magistrados. Um deles é o próprio presidente, ministro Nelson Jobim, que recentemente foi acusado por um grupo de magistrados, procuradores e advogados de manter nos escaninhos de seu gabinete 14 ações diretas de inconstitucionalidade das quais pediu vistas, entre 1997 e 2003. Como a Lei 11.280 não estabeleceu sanções para desembargadores e ministros que não respeitarem o prazo de dez dias, muitos profissionais do direito são céticos quanto à eficácia da inovação. Mas, embora o receio seja fundado, não se pode descartar o risco de constrangimento a que estarão expostos os magistrados que não cumprirem a determinação. Como lembra o secretário de Reforma do Judiciário, Pierpaolo Bottini, mesmo sem prever penalidades, a Lei 11.280 é um poderoso instrumento para os advogados cobrarem responsabilidade de juízes.

Sensatas e oportunas, as inovações dessa lei são uma grande contribuição para que a Justiça possa ser mais rápida e eficiente na prestação de um serviço público essencial para o bom funcionamento do Estado de Direito.