Título: Cofins mudou tanto que nem os fiscais entendem
Autor: Adriana Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2006, Economia & Negócios, p. B3

Receita planeja treinamento para explicar o imposto

Um tributo federal está batendo verdadeiros recordes de crítica. Tanto, que a Receita Federal analisa a possibilidade de realizar treinamento para que fiscais e técnicos entendam a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), cobrada das empresas.

Até dois anos atrás, a Cofins era uma alíquota de 3% aplicada sobre o faturamento. Mas havia reclamação porque o peso desse tributo, embutido no preço, crescia conforme a complexidade do produto. Era um tributo chamado pelos técnicos de "cumulativo", que aumentava a cada etapa de produção.

O sistema mudou para "não cumulativo": uma empresa ganha um crédito no valor da Cofins embutida nas mercadorias que ela compra para usar em sua produção e usa esse crédito para pagar a Cofins que teria a recolher. A alíquota subiu para 7,6%, mas a arrecadação deveria se manter semelhante.

Mas a mudança não agradou a todos os setores e a legislação foi recebendo modificações. O setor de informática, por exemplo, quis ficar no sistema antigo. Parques temáticos e hotéis também. Assim, a Cofins, com pouco mais de dois anos, é hoje uma colcha de retalhos, avaliou o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto.

A legislação complicada dificulta a fiscalização e abre brechas para a sonegação, diz o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, que defende uma "reengenharia completa" no tributo. A Cofins, em conjunto com o PIS, responde por 30,7% da arrecadação do governo federal. Em 2005, os dois tributos recolheram R$ 110 bilhões aos cofres públicos.

Armando Monteiro diz que é hora de reavaliar as alíquotas. Ele informou que a CNI vai encomendar um estudo para analisar o impacto da nova legislação na economia e na carga tributária das empresas.

Everardo Maciel acha que a alíquota da Cofins está superdimensionada e por isso a carga tributária cresceu. Na gestão dele, a Receita fez a primeira experiência de transformar um tributo cumulativo em não cumulativo: com o PIS, cuja alíquota passou de 0,65% cumulativos para 1,65% não cumulativos.

O secretário-adjunto da Receita Federal Ricardo Pinheiro não concorda com Maciel: "Ela estava certa lá trás (quando se calibrou a alíquota do PIS) e agora está errada?" Para ele, as alíquotas do PIS e da Cofins não estão supercalibradas. Depois do impacto inicial, diz, a evolução da arrecadação da Cofins e do PIS voltou ao patamar esperado. Em 2005, a arrecadação da Cofins teve crescimento real (acima da inflação) de 3,54% e do PIS, de 3,16%.

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Pinheiro concorda, porém, que a legislação virou uma colcha de retalhos, mas lembra que isso "foi feito no Congresso atendendo demandas setoriais e criou uma legislação bastante complexa e de baixa consistência técnica". Ele diz que a Receita nada pode fazer para mudar essa situação. "É uma decisão soberana do Congresso." A Receita, afirma, continua recebendo inúmeros pedidos para abrir novas exceções. "As pessoas reclamam da complexidade do sistema tributário, mas procuram soluções individuais olhando para o seu próprio umbigo", critica, ressaltando que sempre haverá ganhadores e perdedores numa mudança do sistema tributário.

Para a advogada tributarista Gláucia Lauletta, sócia do escritório Mattos Filho Advogados, há mais críticas do que elogios na mudança da legislação. "Há falta de critérios na indicação das empresas que estão sujeitas ao sistema não cumulativo e aquelas que ficam na legislação antiga. Não existe um padrão", diz ela.

Gláucia destaca que essa situação, que discrimina sem critérios claros as empresas, tem aberto brechas para questionamentos na Justiça. Segundo ela, já existem ações contra a legislação tramitando no Judiciário. "A partir deste ano, os primeiras casos em segunda instância devem começar a ser decididos", afirma.

Outra crítica é quanto às restrições na normas ao aproveitamento do crédito tributário para as empresas que passaram para o sistema não cumulativo. "Não podemos dizer hoje que o PIS e a Cofins incidem de maneira totalmente não cumulativa, já que há restrições a alguns créditos", avalia a tributarista.