Título: Para punir usineiros, gasolina terá menos álcool até dezembro
Autor: Gustavo Porto
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2006, Economia & Negócios, p. B1

Nova mistura vale a partir de hoje e foi anunciada depois que o acordo que limitava preços foi desrespeitado

O governo vai manter até o final deste ano a redução de 25% para 20% na mistura do álcool anidro à gasolina - que entra em vigor hoje - e dificilmente deverá liberar os R$ 500 milhões a R$ 1 bilhão pedidos pelos usineiros para o financiamento dos estoques do combustível. As duas medidas são encaradas como uma punição aos produtores de álcool. Os usineiros não cumpriram o acordo fechado em janeiro, que estabeleceu teto de R$ 1,05 para o preço praticado nas usinas, e não estão garantindo o abastecimento na entressafra de cana-de-açúcar.

No dia 22, o governo havia anunciado que a redução na mistura do álcool anidro à gasolina valeria por tempo indeterminado. Agora, mostra um endurecimento em sua posição, ao afirmar que a medida vai vigorar o ano inteiro.

Para evitar novas altas da gasolina, o governo já mostrou que pode ainda reduzir a Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) incidente sobre o combustível. Como o dinheiro para o financiamento da estocagem de álcool vem de recursos da Cide, os usineiros seriam punidos duplamente: deixariam de vender mais álcool e pagariam a conta pela arrecadação menor.

"Para dar a garantia (de abastecimento de álcool) ao consumidor brasileiro, e até por uma questão de postura, o governo quer examinar com mais profundidade o assunto. Seguramente a mistura vai (ficar em 20%) pelo menos até o final do ano, com a possibilidade de continuar", afirmou ontem o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. Em 2003, quando também houve a redução na mistura, a intervenção durou cinco meses. Com a redução de agora, seriam retirados do mercado entre 1,2 bilhão e 1,5 bilhão de litros de álcool, o suficiente para um mês de abastecimento.

Rodrigues, que avalizou a negociação de janeiro entre governo e setor produtivo, admitiu estar chateado com o rompimento do acordo e criticou os produtores de álcool. "O não-cumprimento (do acordo), menos de dois meses depois, mostra que não houve seriedade", disse. "Isso me chateou muito", completou. Rodrigues afirmou que esse é o mesmo sentimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o qual conversou na semana passada, logo após os preços do álcool dispararem nas usinas.

Para o ministro, há "um claro movimento especulativo" ligado às ameaças de desabastecimento atreladas às altas nos preços do álcool nos postos. Rodrigues conta que, em janeiro, o governo recebeu garantias de que a oferta de álcool estava compatível com a demanda. No entanto, na reunião da semana passada, os usineiros afirmaram que "surpreendentemente" a compra prevista de álcool pelas distribuidoras para todo o mês de fevereiro tinha sido consolidada no dia 12 do mês passado. "Não vou aqui fazer suposições sobre quem está especulando, mas alguém está, dada a premissa repetida pelos produtores de que a oferta está equilibrada com a demanda", afirmou.

O ministro admitiu que a especulação no setor colabora ainda para que surjam notícias sobre o desabastecimento nos postos. Mas, pelos cálculos do governo, até maio, quando todas as usinas do Centro-Sul estarão produzindo, serão ofertados 2,4 bilhões de litros de álcool, soma de 1,6 bilhão de litros de estoques e de, no mínimo, 800 milhões produzidos. Não estão incluídos nessa conta os 100 milhões de litros que serão economizados com a redução da mistura do anidro à gasolina.O consumo de álcool entre março e abril deve ser de 2,2 bilhões de litros. "Na hipótese mais conservadora, a oferta e a demanda estão tranqüilamente equilibradas. Não há razão para faltar álcool, pois o estoque é suficiente", garantiu o ministro.

Rodrigues participa hoje da abertura da safra 2006/2007 de cana, na unidade da Cocamar na cidade paranaense de São Tomé.