Título: Bush aposta em parceria com a Índia
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2006, Internacional, p. A8

Presidente americano chega hoje a Nova Délhi para tratar de acordo estratégico na área nuclear

A medida imediata do sucesso da visita de uma semana que o presidente George W. Bush iniciará hoje à Índia e ao Paquistão será dada pelo formato final do acordo de cooperação nuclear que o líder americano espera assinar em Nova Délhi com o primeiro-ministro indiano Manmohan Singh.

A iniciativa do acordo, anunciado durante uma visita de Singh a Washington em julho do ano passado, contra a vontade de amplos setores do establishment nuclear dos dois países, é relevadora da disposição de Bush de apostar numa parceria estratégica substantiva com a Índia.

Pelo manual da política de não-proliferação nuclear que Washington segue há meio século, a Índia deveria ser um dos últimos países contemplados com tratamento especial. Embora nunca tenha aderido ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, Nova Délhi quebrou compromissos que assumiu no passado com Washington. Um deles era o de não desenvolver um programa nuclear militar a partir do reator civil de pesquisa CIRUS, construído nos anos 60 com assistência do Canadá e dos EUA. Nesse sentido, cometeu a mesma falta pela qual Bush colocou a Coréia do Norte e o Irã no seu "eixo do mal".

Mas a Índia tornou-se importante para os EUA pelas mesmas razões positivas que levam o país hoje a dominar as atenções do mundo como o mais promissora entre as nações emergentes: é a maior democracia do mundo, tem a terceira maior população muçulmana do planeta, depois da Indonésia e do Paquistão, e é uma aliada crucial de Washington, na Ásia, na guerra contra o terrorismo.

Além disso, é a segunda economia que mais cresce (mais de 7% no ano passado), e sua ascensão à condição de potência econômica mundial, já considerada inexorável, alterará o equilíbrio geopolítico da região mais dinâmica do mundo, especialmente quando tirar a China do lugar de nação mais populosa, em menos de duas décadas, segundo os demógrafos.

Sua enorme reserva de mão-de-obra educada e fluente em inglês já é um dos veículos de integração das economias dos dois países, seja pela presença de indianos nos setores de alta tecnologia nos EUA, seja pela terceirização de serviços e mesmo pela transferência crescente de atividades de pesquisa e desenvolvimento de grandes empresas americanas para a Índia.

Para continuar a crescer no ritmo atual, porém, a Índia precisará de muito mais energia. É essa necessidade, aliada ao desejo da administração americana de ressuscitar a indústria de geração nuclear de eletricidade dos EUA, que levou Bush a oferecer a Singh, no ano passado, o acesso à tecnologia e a combustível nuclear. Em troca, o presidente americano pediu ao líder indiano a separação do programa nuclear militar das atividades civis e a sujeição destas últimas aos mecanismos internacionais de salvaguarda.

Um dos problemas para finalizar o pacto de cooperação anunciado em julho é que os dois lados têm interpretações diferentes sobre o que foi acordado. A primeira proposta indiana incluiu no programa civil apenas quatro dos 17 reatores do país e foi rejeitada por Washington. Até o momento em que Bush embarcou no Air Force One ontem, os detalhes finais ainda não eram conhecidos.

Apenas 3% da energia elétrica da Índia, ou 3.300 megawatts, derivam de energia nuclear. O governo indiano quer ampliar a capacidade de geração nuclear para 20 mil megawatts nos próximos 15 anos, para substituir e expandir parte da atual produção termoelétrica, que usa combustível importado e caro (petróleo) ou poluente ( carvão). Mas não tem como garantir uma expansão tão rápida de suas usinas nucleares sem cooperação externa. Empresas americanas, como a General Electric, preparam-se para competir com suas concorrentes japonesas, russas e japonesas pelos contratos indianos.