Título: Câmbio e investimentos
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Beneficiada pela alta dos preços internacionais de seus produtos, a maior parte das empresas exportadoras brasileiras vem conseguindo aumentar seus embarques para o exterior a despeito da desvalorização contínua do dólar. Mas, em razão de diversos fatores negativos, acentuados pelo câmbio, um grupo delas chegou ou está chegando a uma situação crítica. Algumas empresas decidiram adiar ou simplesmente cortar investimentos já programados. Outras tomaram atitude ainda mais drástica: encerraram as atividades de suas unidades no Brasil, transferindo-as para outros países, em particular a Argentina.

Multinacionais que programaram investimentos no Brasil com o objetivo de atender ao mercado interno não alteraram seus planos. Mas, como mostrava reportagem de Agnaldo Brito publicada dia 19 passado pelo Estado, empresas estrangeiras que haviam decidido transformar suas unidades no País em bases exportadoras suspenderam programas de investimentos por causa da perda de competitividade em razão da desvalorização do dólar. Outras concluíram que podem produzir com mais vantagem em outros países.

Os problemas empresariais citados na reportagem não são frutos apenas da valorização do real. Essas empresas já vinham enfrentando dificuldades para manter a rentabilidade de suas unidades instaladas no Brasil, como altos custos de produção, problemas tributários e gargalos logísticos.

Os casos mais graves são os de duas processadoras de soja, a Bunge, a maior do complexo soja em operação no Brasil, e a Archer Daniels Midland (ADM). A primeira fechou, em dezembro, 2 das 12 fábricas de esmagamento de soja instaladas no País (além disso, fechou 7 de suas 35 unidades misturadoras de adubos, por causa do mau desempenho do setor de agronegócio brasileiro em 2005 e das más perspectivas para este ano). A ADM decidiu reduzir em 30% sua capacidade de processar soja (atualmente, de mil toneladas por dia).

A atividade dessas empresas vinha sendo prejudicada pelas dificuldades na recuperação de créditos do ICMS nos casos da exportação de farelo e de óleo de soja - estima-se que, nos últimos anos, o crédito a que as empresas exportadoras têm direito chegue a R$ 100 milhões, mas não será fácil o reconhecimento desse crédito por parte de alguns governos estaduais. Elas enfrentavam também problemas de logística.

A Bunge preferiu aumentar sua capacidade de processamento de soja na Argentina, onde as distâncias entre as lavouras e os portos são menores e as fábricas estão localizadas próximas dos terminais de exportação. Essas facilidades reduzem perdas com armazenagem e transporte, que, no caso do Brasil, reduzem de 3% a 8% a safra brasileira de grãos.

Esses fatores produziram uma mudança notável na capacidade de processamento de soja dos dois países. Em 1995, a Argentina podia esmagar 57 mil toneladas de soja por dia e o Brasil, 116 mil toneladas. Hoje, a capacidades dos dois países é semelhante, de cerca de 130 mil toneladas por dia.

O problema não se limita ao setor agroindustrial. Duas empresas de capital francês, a Saint-Gobain e a Rhodia, que há muito tempo fizeram do Brasil um pólo exportador - de telhas de fibrocimento, vidro, placas de gesso e argamassas, no caso da primeira; e de produtos químicos, no caso da segunda -, não chegaram a fechar fábricas, mas decidiram suspender seus investimentos.

Esses foram os casos descritos na reportagem do Estado. Parecem isolados, por enquanto. Mas dados compilados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) apontam para o que pode ser um problema mais amplo. Em dois importantes setores industriais, os de metalurgia básica e produtos químicos, os números do Banco Central a respeito de investimentos diretos estrangeiros apontam para forte redução. No primeiro caso, a entrada de capitais diminuiu 62% e no segundo, 44%.

A redução dos investimentos estrangeiros não é, certamente, efeito exclusivo da desvalorização do dólar e é provável que outras desvantagens em relação a outros países importadores de capitais pesem mais para essa redução do que o fator cambial. Mas não há dúvida de que a queda do dólar começa a contribuir para afugentar investidores.