Título: Espeto de pau
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2006, Nacional, p. A3

Primeiro chefe da Nação egresso do sindicalismo, o presidente Lula fracassou justamente na área cujos problemas estruturais conhece em profundidade desde os anos 70, quando presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Negociado com lideranças patronais e trabalhistas entre 2003 e 2004 e concebido para acabar com sindicatos sem representatividade, o projeto de reforma sindical que o governo divulgou com grande alarde, em março de 2005, está parado no Congresso.

Para remediar a situação, o Ministério do Trabalho decidiu adotar algumas medidas paliativas, que podem ser implantadas por meio de simples resolução.Uma delas é a criação de um Conselho Nacional de Relações de Trabalho, que terá, entre outras funções, competência para estabelecer novos critérios para distribuição das contribuições resultantes de negociações coletivas. Mas o desenho institucional definitivo do novo órgão não foi concluído até agora. Aliás, o governo não sabe nem quantos sindicatos existem no País nem conhece o número de trabalhadores sindicalizados.

No ano passado, para tentar obter dados confiáveis, ele promoveu um recadastramento no setor. Mas, como não havia obrigatoriedade de responder aos pedidos das autoridades, muitos sindicatos não encaminharam as informações solicitadas. Em janeiro, o governo registrou 9.781 sindicatos recadastrados. Contudo, a Caixa Econômica Federal, responsável pelo repasse da contribuição sindical, tem quase 11 mil entidades cadastradas. No Ministério do Trabalho, fala-se na existência de 18 mil sindicatos. E, para o ex-ministro Almir Pazzianotto, esse número já estaria próximo dos 25 mil.

A falta de representatividade dos "líderes" sindicais e a proliferação dos "sindicatos fantasmas", criados por aventureiros só para ficar com uma fatia das contribuições e taxas compulsoriamente cobradas dos trabalhadores, são mais uma das heranças da anacrônica Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) editada pela ditadura varguista. Atualmente, só a contribuição sindical, equivalente a um dia de salário descontado dos 33 milhões de trabalhadores com carteira assinada, propicia uma receita anual de R$ 1 bilhão, que é redistribuída a sindicatos, federações e confederações. Acrescido das demais "contribuições", como a assistencial e a confederativa, o montante chega a R$ 5 bilhões.

Pela CLT, cada sindicato tem o monopólio de representação em sua categoria, o que lhe permite receber parte desse dinheiro. E, como os dirigentes sindicais têm liberdade de gastá-lo como quiserem, esse monopólio se converteu em foco de corrupção. É por isso que, nos últimos tempos, muitos aventureiros criaram entidades estapafúrdias, como sindicatos de donas de casa, enquanto outros procuraram subdividir sindicatos representativos de setores tradicionais. Só o Sindicato dos Comerciários de São Paulo já sofreu dez tentativas de subdivisão. A mais recente foi a proposta de criação de um Sindicato dos Empregados em Shopping Centers, cuja assembléia foi marcada para ser realizada em Barretos, no mesmo dia da Festa do Peão Boiadeiro.

Ao permitir a criação de mais de um sindicato por setor na mesma base, o projeto do governo tinha por objetivo acabar com essa escandalosa sinecura. A idéia é que a competição entre os sindicatos, conjugada com regras mais rigorosas para a escolha de dirigentes, depuraria as lideranças, aumentando sua representatividade. Além disso, o fim do monopólio permitiria ao sindicalismo adequar-se à realidade econômica do País. Conjugadas com o desenvolvimento da tecnologia e o advento de novos métodos de trabalho, as transformações econômicas das últimas décadas alteraram radicalmente o perfil do emprego e levaram à proliferação de pequenas e médias empresas, gerando setores e atividades que não se encaixam nos sindicatos atuais.

Conhecendo melhor do que ninguém os vícios da estrutura sindical do País, Lula tinha a obrigação de fazer da reforma sindical uma das prioridades de sua gestão. Como fracassou nessa empreitada, quem saiu beneficiado foram os picaretas e pelegos que defendem a manutenção da CLT, para preservar privilégios e sinecuras. Esse é um dos grandes paradoxos do primeiro governo brasileiro chefiado por líder sindical que começou a carreira prometendo modernizar o sindicalismo.

Confirma-se o ditado: casa de ferreiro, espeto de pau