Título: Equação da letargia
Autor: Paulo Skaf
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2006, Espaço Aberto, p. A2

Leis antiquadas + visão hermética do CMN = imobilismo

Um dos requisitos dogmáticos para o sucesso das empresas na economia contemporânea é a capacidade de promover imediatas transformações, adaptando-se em tempo real às rápidas metamorfoses do mundo, da tecnologia, dos mercados, dos clientes e da sociedade. O mesmo aplica-se aos países. Assim, é lamentável constatar que, em prejuízo do tão almejado crescimento sustentável, o Brasil se mostre incapaz de mudar. Não há nenhum exagero em afirmar isto, pois há 18 anos temos uma Constituição com dispositivos que emperram as atividades produtivas e há 12 vivemos quase a mesma política econômica, calcada no monetarismo exacerbado, que só pensa numa alta inflação que hoje é apenas uma triste história do passado.

Nesse mesmo período, numerosas nações souberam evoluir em termos de arcabouço legal e na gestão da economia. Dessa maneira, não é coincidência que, naquele espaço de tempo, tenhamos recuado do 9º para o 14º lugar no ranking mundial dos produtos internos brutos (PIBs) ou que estejamos classificados na 39ª posição, dentre 45 nações, no Indicador de Competitividade Fiesp, estudo sério e aprofundado da entidade voltado ao diagnóstico dos problemas e potencialidades nacionais. Tampouco é incidental ou fortuito o pífio crescimento do País em 2005, aquém do mundo, dos demais membros dos Brics - Rússia, Índia e China - e da grande maioria dos latino-americanos, tal como algumas grandes companhias do universo corporativo que sucumbiram à mesmice e ao conservadorismo exagerado. Enfim, o Brasil paga alto preço por sua letargia.

Assim, é triste verificar a continuidade de graves problemas de ordem constitucional, como o paternalismo da legislação trabalhista, a irresponsabilidade de um sistema previdenciário utópico, a consagração de um regime tributário ganancioso e o contingenciamento de verbas orçamentárias sem critérios de prioridades, dentre outras distorções. Tudo isso foi efetivado na "Carta Cidadã" de 1988 e/ou referendado em leis complementares, inspiradas em seus princípios e previstas em suas resoluções transitórias. Depois de 18 anos, Executivo e Legislativo mostraram-se incapazes de mudar tais distorções, promovendo apenas alguns poucos arremedos de reformas, muito distantes das efetivas transformações estruturais desejadas pela Nação.

Com um braço algemado por sua própria Constituição, o Brasil tem o outro engessado pela redundância monetarista de sua política econômica. Neste aspecto, sem nenhum demérito ao triunvirato que integra o Conselho Monetário Nacional (CMN) - os ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do Banco Central (este subordinado ao da Fazenda) -, a verdade é que tal composição se tem mostrado profundamente limitante no curso de muitos anos. Claro que se trata de um órgão técnico (e isso deve ser considerado em sua formulação), mas suas decisões e orientação filosófica são muito importantes e têm impacto contundente para a economia, as empresas e toda a sociedade.

Afinal, como órgão deliberativo máximo do sistema financeiro, o CMN é responsável, dentre outras funções, pela definição da meta anual da inflação, da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e das diretrizes gerais da política de crédito e de câmbio. Considerando que a prolongada prevalência da ortodoxia monetarista já tem sérios reflexos no País, evidencia-se com clareza a necessidade de aumentar o número de membros daquele colegiado. É chegada a hora de tornar mais amplo seu olhar sobre as demandas do Brasil e do mundo e sua capacidade de análise das alternativas de controle da inflação, crescimento, câmbio, juros e dos mecanismos da economia. Entendemos que a posição majoritária no CMN deva pertencer ao governo, mas defendemos a inclusão de mais ministros de Estado, economistas e acadêmicos, num número de sete ou nove membros, no máximo. Dessa maneira, nas deliberações do colegiado seriam explicitadas, com maior transparência e amplitude, visões e perspectivas mais diversificadas das diferentes áreas, não apenas governamentais, como também de outros setores da inteligência brasileira.

A soma de leis antiquadas e inadequadas com a visão hermética do CMN tem como produto o imobilismo, com sérios reflexos negativos. O Brasil precisa de um projeto estrutural de desenvolvimento, contemplando simultaneamente: choque fiscal para a redução drástica dos gastos públicos, propiciando maior volume de investimentos; política eficiente de crédito para produção, considerando a redução dos juros; política comercial realista, abrangendo câmbio adequado, consolidação do intercâmbio com os parceiros tradicionais, conquista de mercados e ferrenha luta contra a pirataria; reformas (verdadeiras!) política, trabalhista e tributário-fiscal; investimentos para solucionar o gargalo da infra-estrutura e mais estímulo às pequenas e microempresas.

Os desafios, portanto, são muitos, e dificilmente terão respostas positivas sem uma dose mais acentuada de empenho político na reforma do arcabouço legal e ousadia e criatividade na gestão econômica. O mundo atual não perdoa a preguiça, a morosidade, a insegurança e a incapacidade de mudar. Prova disso é que já estamos sendo duramente apenados pelo "tribunal" da competitividade. É preciso dar asas à imaginação, com seriedade, responsabilidade e competência técnica, invertendo o quadro que tem minado os sistemas produtivos. Ou seja, o governo tem uma lição de casa a resolver: a equação da letargia.