Título: Rotina de Marcos Pontes é rígida e medida em segundos
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2006, Vida&, p. A20

Missão se aproxima e ele estuda, treina e passa por testes diários

Com pouco mais de um mês para o lançamento da nave Soyuz para a Estação Espacial Internacional (ISS), o primeiro astronauta brasileiro, Marcos Pontes, vive um rígido cronograma de preparação que deve se intensificar ainda mais nas próximas semanas.

Instalado desde outubro na Centro de Treinamento de Cosmonautas da Rússia, na Cidade das Estrelas, o brasileiro diz que sai pouco, levanta todos os dias antes das 6 horas para estudar e, sem os privilégios dos antigos cosmonautas da Era Soviética, ainda é obrigado a lavar e passar sua própria roupa.

Disciplinado, Pontes teve de passar nos últimos meses por um treinamento separado dos demais participantes da missão, o americano Jeffrey Williams e o russo Pavel Vinogradov. Ambos já foram ao espaço e Pontes precisava chegar ao mesmo nível. Por isso, o brasileiro conta que aproveitou as noites e fins de semana para estudar e conhecer o sistema da nave. "Nosso horário é contado em segundos", explicou Pontes, em uma entrevista coletiva, ontem, ao lado dos colegas de tripulação.

O cronograma é tão intenso que, 20 minutos antes do encontro com os jornalistas, os astronautas estavam em uma cápsula simulando situações de vôo.

Pontes conta as atividades começam às 9 horas e vão até o almoço. "Temos uma hora de pausa e logo voltamos aos treinamentos."

A cada semana, os instrutores realizam entre duas e quatro horas de simulações de vôo. Esse é o momento em que os técnicos criam situações de risco que precisam ser solucionadas pelos astronautas dentro de réplicas dos módulos da nave. Pontes também passa por exercícios físicos, pratica natação. Se submete regularmente a testes psicológicos, de coordenação e técnicos. "Preciso saber o funcionamento de todo o sistema e ainda me preparar física e mentalmente", disse.

O brasileiro também precisa realizar testes com o traje que irá usar no vôo. Ontem mesmo, levou mais de duas horas para provar a roupa, que conta com mecanismo de despressurização. A preparação do brasileiro inclui aulas de russo. Isso porque todos os botões da cápsula que irá ao espaço estão nessa língua. "Já entendo bastante", garante ele, que, de fato, compreendeu todas as perguntas feitas por jornalistas russos.

Diante de tantas tarefas, Pontes afirma que sai pouco do Centro de Treinamento e raramente vai até Moscou, que fica a 40 quilômetros da Cidade das Estrelas. Ele não esconde, porém, que quer ir ao jogo da seleção brasileira de futebol contra a Rússia, no dia 1º, em Moscou. "Não sei se deixarão." Mas Pontes, de qualquer jeito, não esconde seu encantamento. "Tudo isso e incrível", diz. "Até gostei do frio", completou o brasileiro em um dia em que se registravam 21 graus negativos.

OÁSIS

Considerada nos anos da União Soviética como o oásis do socialismo, o Centro de Treinamento de Astronautas passou por mudanças para sobreviver como a única escola de astronautas da Rússia.

Com 7 mil habitantes, dos quais 1,5 mil trabalham no local, a Cidade das Estrelas era uma base secreta das Forças Armadas soviéticas e apenas nos anos 60 é que se tornou escola de astronautas. Escondido num bosque, nem mesmo sua localização aparecia nos mapas do regime comunista. Hoje, muitos dos ex-astronautas ainda perambulam por ali.

Nos anos da União Soviética, os cosmonautas tinham vida de herói e apartamentos luxuosos para a época. Com o fim do bloco socialista, a cidade se viu diante da falta de dinheiro generalizada.

Enquanto os cosmonautas começavam a cobrar até US$ 250 por entrevista, os edifícios construídos pelo regime comunistas ganhavam vizinhos: casas em estilo americano, erguidas pela Nasa para seus astronautas que realizariam missões conjuntas.