Título: 'Experimentos, sim. Política, não'
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2006, Vida&, p. A20

Astronauta diz que é bom estar em Moscou, bem distante das discussões sobre uso eleitoral da missão espacial

Marcos Pontes, o primeiro astronauta brasileiro, afirma que irá ao espaço "fazer experimentos, e não política". Pontes, que está se preparando na Rússia para o vôo no dia 30 de março, diz que não foi consultado por Brasília sobre a proposta do governo Luiz Inácio Lula da Silva de levar para o espaço uma moeda comemorativa que depois seria leiloada para angariar recursos para o programa Fome Zero. "Eu não tenho nada com isso", disse Pontes.

Pelas regras da Agência Espacial Russa, cada um dos três astronautas que farão o vôo no próximo mês em direção à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) tem o direito de levar 1,5 quilo de bagagem pessoal, além de 5 quilos de materiais institucionais. No caso do Brasil, o governo ainda não fechou a lista, mas já divulgou que quer incluir fitinhas do Senhor do Bonfim, moedas e selos comemorativos e uma imagem de Nossa Senhora.

Uma das moedas seria leiloada e o dinheiro, usado para o Programa Fome Zero. O governo ainda quer aproveitar a oportunidade para fazer sua publicidade, com transmissões de declarações de Pontes e de uma conversa de cinco minutos entre Lula e o astronauta durante o vôo. O presidente deve tentar a reeleição neste ano.

Pontes deixou claro que não irá se preocupar, neste momento, com a forma com que o governo usará o vôo, eventualmente, na campanha para a reeleição de Lula. "Não tenho de me preocupar com essas coisas. Tenho apenas de fazer meu papel. Minha atitude é clara. Todo o Brasil me conhece e sabe que não tenho ligações políticas", disse.

Pontes não quis nem revelar em quem votará para presidente em outubro. "Vou analisar o que cada candidato tem para apresentar, suas propostas, então definirei meu candidato", disse. O astronauta, que está no Centro de Treinamentos na Rússia desde outubro de 2005, reconhece que o fato de ter ido a Moscou o ajuda em sua preparação. "Nestas horas, quero estar bem longe dessas questões administrativas", afirmou.

Se a definição da bagagem do governo não teve a participação do astronauta, Pontes deixa claro que está selecionando cuidadosamente o que levará em sua cota de 1,5 quilo. O astronauta queria levar o chapéu de Santos Dumont e insinuou que a camisa da seleção de futebol poderia entrar em sua mala para o espaço. Músicas de sua própria composição também deverão fazer parte da bagagem. "Defino isso tudo até dia 15. Teremos surpresas", prometeu. Os outros tripulantes da nave, o americano Jeffrey Williams e o russo Pavel Vinogradov, já acostumados aos vôos espaciais, disseram que levam fotos da família e artigos institucionais.

EXPERIMENTOS

Pontes explicou ainda que irá utilizar o equipamento de fotografia e filmagem da nave russa para fazer imagens do Brasil cada vez que ela passar sobre o território nacional. Mas insistiu que precisa ter uma definição nos próximos dias por parte da Agência Espacial Brasileira sobre os experimentos nacionais que serão conduzidos por ele no espaço. Esses experimentos serão definidos na próxima semana, quando uma missão russa irá a São Paulo para avaliá-las. Mas uma delas teve de ser cancelada já nesta semana.

Para Pontes, os experimentos vão "abrir um novo laboratório para a ciência brasileira". Já o americano Williams é mais realista e aponta que as pesquisas que farão parte da missão não serão grandes inovações. "Vamos apenas continuar o trabalho para conseguir que o homem volte à Lua e eventualmente vá a Marte. O outro objetivo é continuar a montagem da ISS", disse ele.

Questionado sobre o que faria em sua volta do espaço, Pontes diz que quer continuar trabalhando pelo Brasil no projeto da Estação Espacial e não vê no momento razão para entrar para a política. "Se um dia eu perceber que posso fazer algo pelo Brasil, posso até considerar entrar na política. Mas o que quero agora é ver nossa indústria no espaço", disse. Pontes quer trabalhar para garantir que os equipamentos fabricados no Brasil sejam entregues pelo governo à Estação Espacial Internacional nos próximos anos.

Antes do lançamento, Pontes pede a ajuda dos brasileiros. "Embora eu esteja sozinho como único brasileiro a bordo, conto com o apoio e oração de último minuto de todos. Não quero voar sozinho e, por isso, levo a bandeira do Brasil." E na volta? "Se o Brasil fosse uma pessoa, daria um abraço bem forte."