Título: O pacote agrícola
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2006, Notas e Informações, p. A3

O governo anunciou a liberação de R$ 2,56 bilhões, neste mês, para financiamentos à agropecuária. O dinheiro será destinado à formação de estoques, ao custeio de novos plantios e a investimentos para reforço da capacidade produtiva. A iniciativa é especialmente importante depois de um ano ruim para grande número de produtores agrícolas. Em 2005, perdas consideráveis foram causadas tanto pela estiagem prolongada em áreas do Centro-Sul quanto pelo recuo de preços de vários produtos.

As dificuldades vividas pelos agricultores, nos últimos 12 meses, ainda se refletem na fraca procura de máquinas e equipamentos. Em janeiro, foram vendidas no atacado 1.687 máquinas - tratores, cultivadores, colheitadeiras e retroescavadeiras -, 1,3% menos que o número entregue aos revendedores um ano antes. Em 2005 foram entregues 23,2 mil unidades à rede revendedora. Em 2004 as vendas haviam chegado a 37,8 mil. Foi o encerramento de um período razoavelmente longo de prosperidade no campo.

As perdas em 2005 foram particularmente graves porque o governo foi lento no socorro aos produtores afetados pela estiagem. Muitos não tinham seguro e, além disso, estavam endividados. Os que não perderam a safra tiveram de comercializar a produção em condições desfavoráveis, porque não tiveram apoio suficiente, e na hora certa, para regular o ritmo de vendas. Muitos tiveram de entregar a produção num prazo curto, para sobreviver e enfrentar os vencimentos de compromissos.

Dos R$ 2,56 bilhões anunciados na terça-feira, R$ 1,16 bilhão serão destinados à comercialização. Produtores de leite deverão receber R$ 160 milhões para formação de estoques. Plantadores de arroz deverão ficar com R$ 300 milhões para poder dosar a venda de seu produto. Os demais R$ 700 milhões serão emprestados a outros agricultores, também para estocagem e regulação das vendas. O pacote incluirá também R$ 1,1 bilhão para o custeio de lavouras de inverno, pecuária e café.

Segundo o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Ivan Wedekin, os empréstimos para a comercialização deverão envolver R$ 5 bilhões, neste semestre, R$ 1,5 bilhão a mais que na primeira metade de 2005. Além disso, o governo deverá comprar arroz para os estoques oficiais e promover leilões de Prêmio de Escoamento do Produto e de Prêmio de Risco de Opção Privada, para facilitar o transporte do produto e dar suporte aos preços, aumentando a segurança dos plantadores.

Em outras palavras: o governo promete aos produtores, especialmente aos de arroz, desestimulados pelos preços baixos, o apoio que faltou no ano passado. As intervenções já haviam sido limitadas em anos anteriores, mas as condições do mercado eram mais favoráveis e os produtores dependiam menos da ação oficial.

Pode ser apenas um acaso a promessa de maior apoio à agricultura num ano de eleições. Pode ser um acaso ainda mais notável o anúncio dessas medidas no mesmo dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em cerimônia no Palácio do Planalto, lançou o pacote de estímulo à construção de moradias.

Mas, seja como for, especialmente no caso da agricultura, não se pode censurar o governo pelo cumprimento da obrigação elementar de oferecer aos produtores o financiamento necessário à sustentação de preços na fase da colheita, quando as cotações tendem a despencar. Nessa hora, os produtores ficam particularmente vulneráveis às pressões do mercado. Um grande volume de oferta se concentra num período curto e, além disso, as contas do custeio começam a vencer.

Lamentável é que nem sempre essa obrigação seja cumprida de forma satisfatória e que os agricultores fiquem privados de um apoio oferecido no exterior, com grande generosidade e grande volume de subsídios a seus concorrentes.

Não cabe, enfim, lamentar as boas coincidências - de interesses. Mas pode-se lamentar que não aconteçam mais freqüentemente. Eleições presidenciais só ocorrem de quatro em quatro anos e isso limita deploravelmente a intervenção da Providência.