Título: Aparelhamento do Estado
Autor: Ipojuca Pontes
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2006, Espaço Aberto, p. A2

O certo é controlar os sovietes e ocupar a burocracia do Estado - de Lênin para Mikhail Kalinin, membro do Politburo Soviético

Sim, parece irônico, mas aos poucos, com uma vontade inédita na história do País, Lula da Silva vai criando os 10 milhões de empregos prometidos na campanha de 2002. No entanto, é bom esclarecer: dentro do setor público e nas hostes empresariais do governo. De início, com o apelo estratégico à terceirização, o grande esquema manipulado pelos políticos (e tecnocratas) para atingir o Nirvana sem que aparentemente os índices estatísticos tornem mais alarmante o frenético inchaço da máquina estatal.

Senão, vejamos: só na Petrobrás, a empresa está somando hoje mais de 40 mil empregos terceirizados. Um pouco menos no Banco do Brasil, com a invenção do Banco Popular do Brasil (destinado a "empréstimos para o público de baixa renda", com um prejuízo, segundo declarações recentes do sr. Robson Rocha, seu presidente, de R$ 47,6 milhões), e na Caixa Econômica Federal, ambos com cerca de 30 mil funcionários terceirizados, estagiários ou empregados "temporários". A terceirização é significativa até mesmo num obscuro Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Por sua vez, a empresa estatal Furnas Centrais Elétricas está sendo investigada pelo Ministério Público do Trabalho pela terceirização irregular de 2 mil funcionários, com negócios que se avolumam em mais de R$ 800 milhões com o grupo Bauruense, denunciado por Roberto Jefferson, na CPI dos Correios, como um dos financiadores do propinoduto formado pela dupla Marcos Valério e Delúbio Soares - este, corrupto, mas diligente ex-tesoureiro do PT. Um vastíssimo contingente de terceirizados também integra a folha salarial dos Correios e Telégrafos, dos 31 ministérios e das 34 empresas estatais criadas pelo governo Lula para atender à permanente "demanda" de setores voltados para energia, bancos, petróleo, gás, etc.

Não há por que fazer cara de espanto. Logo em 2003, quando chegou ao Palácio do Planalto, Lula da Silva afirmou que o seu objetivo no governo era recriar um Estado forte, pois - garantia - "uma máquina pública bem profissionalizada e bem formada arrecada mais, presta serviços de melhor qualidade, combate o desvio de recursos, produz mais e transforma os serviços prestados pelo Estado em serviços competitivos com qualquer outro país do mundo". Em cima de tal falácia, de imediato o ex-operário preencheu com os necessitados companheiros do PT cerca de 19 mil cargos de confiança, de custo médio em torno de R$ 3 mil. Nos anos seguintes, o presidente ampliou em mais 18 mil o número de apaniguados do partido dentro dos variados espaços oficiais, incluindo o próprio Palácio do Planalto. Tudo sem falar nas centenas de ONGs mantidas pelo dinheiro público, em geral verdadeiros cabides de emprego e muitas delas nicho do pior parasitismo "politicamente correto".

Não satisfeito com o grande número de empregos terceirizados, que ocupam hoje no Brasil mais de 2 milhões de funcionários distribuídos entre empresas privadas e setor público, e mesmo considerando os "concursos públicos um privilégio para os que estão mais bem preparados", Lula da Silva anuncia neste revigorado ano de campanha presidencial a realização de concursos públicos que objetivam incorporar 10 mil funcionários à já saturada máquina do Estado, sem falar em milhares de vagas abertas na Petrobrás e de outras tantas na malfadada Furnas. A última jóia, por ato de Medida Provisória, ficou por conta da criação de 2.558 "vagas" na Fiocruz e em outras preciosidades da Coroa, com destaque para 400 cargos no Itamaraty, com salários compensadores.

O Brasil de Lula está gastando R$ 105 bilhões com pagamento do funcionalismo e R$ 250 bilhões com os aposentados, dos quais 42% do numerário contempla o setor público - o que acarreta um déficit anual crescente da Previdência na ordem de R$ 38 bilhões. No orçamento de 2005, por exemplo, mais de 96% das receitas estavam comprometidas com o pagamento de pessoal, Previdência, transferência para Estados e municípios, saúde e educação, sem falar no custeio da máquina pública, que é assunto tabu. Resultado: embora o produto interno bruto esteja sendo avaliado em R$ 1,94 trilhão, o governo monopolizador se apossou de cerca de 40% dessa cifra - o que resulta numa das maiores cargas tributárias da nossa história, ainda assim considerada insuficiente: por força de gastos, endividamento e pagamento de juros, o Banco Central acaba de revelar um estoque da dívida pública mobiliária interna que ultrapassa a espantosa soma de R$ 1 trilhão.

Diante de um quadro de perfil insolvente a denunciar o espectro da estagnação, a própria ONU prevê para o Brasil, em 2006, a pior taxa de crescimento da América Latina: algo entre 2,6% e 3%. Por outro lado, um estudo da New Economics Foundation, instituição de pesquisa londrina, calcula que neste ritmo o Brasil levará mais de três séculos para se equiparar aos países desenvolvidos, em que pese o inquestionável crescimento da econômica mundial.

Uma das mais árduas tarefas para quem substituir a "experiência Lula" será, sem sombra de dúvida, a de desaparelhar o Estado "forte" montado na esteira do pensamento estatizante preconizado pelos ideólogos do petismo. Ela implica desmontar todo um sistema ineficiente e corrupto comprometido com a visão da riqueza social como uma cornucópia do poder público a ser espoliada em proveito próprio, sob pretexto mendaz de combater as desigualdades e buscar a justiça social.

De fato, será uma tarefa muito difícil e que muitos consideram uma missão impossível.