Título: Nem Ubiratan esperava tanto
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2006, Metrópole, p. C1,3,4

Defesa queria anular sentença, mas não cogitava absolvição; outros 84 acusados ainda não foram a júri

Ubiratan Guimarães era um homem calado ao chegar ao tribunal. Repetia a mesma frase surrada dos últimos dias, afirmando sua tranqüilidade e confiança na Justiça. Mas nem ele nem seu advogado, Vicente Cascione, esperavam tanto. Mais do que anular o primeiro julgamento, o TJ absolveu o coronel que chefiou a Tropa de Choque no massacre da Casa de Detenção.

Ubiratan passara a noite anterior em casa e dormiu cedo. "Nunca tive problema para dormir, pois sempre tive a consciência tranqüila." O primeiro réu do caso a ser julgado - outros 84 acusados das mortes ainda esperam julgamento da decisão que os mandou a júri - chegou ao TJ acompanhado por antigos companheiros da PM, parentes e assessores.

Sentou-se no banco dos réus e acompanhou impassível as manifestações da defesa e da acusação. Seu rosto ficou tenso quando o relator do caso, desembargador Mohamed Amaro, deu seu voto, negando tudo o que seu advogado havia pedido.

Cascione reclamava da incoerência do júri que responsabilizou seu cliente por 102 das 111 mortes na Detenção - o coronel foi inocentado dos casos de presos mortos a faca. Ele pedia a anulação da sentença ou que o TJ reconhecesse não haver provas contra Ubiratan. Não cogitava a anulação parcial provocando a absolvição.

A questão é que os jurados devem votar muitas teses, tanto da defesa quanto da acusação, e decidir se procedem ou não. No caso de Ubiratan, uma dessas teses era a de que o coronel agira no estrito cumprimento do dever legal, que foi aceita pelo jurados por 6 votos a 1. Com isso, no entendimento da maioria dos desembargadores, o julgamento devia ter sido encerrado nesse momento e o coronel, declarado absolvido.

Em vez disso, a juíza do caso seguiu adiante com o julgamento, perguntando ao júri se o coronel se excedera. A resposta foi sim, por 4 votos a 3 - o que provocou a condenação. "Se ele agiu no estrito cumprimento do dever, não havia por que perguntar sobre o excesso, pois se é estrito o cumprimento do dever, ele não comporta excesso", disse o advogado.

A reviravolta no julgamento a favor de Ubiratan só ocorreu na última meia hora da sessão com o voto do desembargador Walter Guilherme. Um após o outro, os demais desembargadores seguiram Guilherme.

Quando o resultado foi proclamado, o coronel sorriu. Seus amigos aplaudiram a decisão enquanto militantes de organizações de direitos humanos protestaram contra "os dois pesos e duas medidas da Justiça". Para o advogado Cascione, "o caso está encerrado".

Ubiratan disse que sempre acreditou na Justiça. "Naquele dia salvamos a vida de 2 mil presos que não participaram da rebelião e poderiam morrer queimados se a gente não entrasse no prédio. Nunca dei ordem para matar. Sempre lamentei os que morreram."

O viúvo Ubiratan abraçou amigos, a namorada, o filho e o advogado. Não escondeu a alegria. Enquanto os protestos das entidades humanos continuava lá fora do tribunal, o coronel deixou o prédio do TJ em seu carro e seguiu para casa. "Vou ver minha mãe, que está velhinha e dar um beijo nela."