Título: O custo da omissão
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2006, Notas e Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de vetar o projeto de renegociação das dívidas de produtores rurais nordestinos, aprovado na terça-feira pelo Senado, se quiser evitar mais um rombo nas contas públicas. Será o custo político de mais uma falha do Executivo. Se o governo tivesse tomado a iniciativa de socorrer, no momento certo, os produtores mais necessitados e merecedores de ajuda, resolveria um problema real por um preço muito menor.

A nova renegociação custará diretamente ao Tesouro, se for concretizada, cerca de R$ 7 bilhões. O Fundo Constitucional do Nordeste, alimentado com impostos federais, perderá R$ 4,7 bilhões, depois de já ter lançado outros R$ 5 bilhões como prejuízo.

Mais uma vez, grandes devedores serão beneficiários de mais um calote - é esta a palavra certa - imposto aos cofres da União. Os 519 maiores contratos terão um impacto fiscal de R$ 6 bilhões, segundo o senador Aloizio Mercadante, líder do governo.

Muitos devedores já foram beneficiados, várias vezes, pelo refinanciamento de seus compromissos. O projeto recém-aprovado no Congresso reabre contratos incluídos na Securitização de Dívidas Agrícolas, de 1995, e no Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa), de 1998.

Várias dívidas vêm de muito mais longe, do início dos anos 90, talvez de antes. Muitos devedores, principalmente grandes proprietários, já conseguiam, antes das grandes operações de refinanciamento, evitar a liquidação de seus compromissos com o Banco do Brasil.

Nas duas grandes renegociações, o Tesouro foi submetido a uma evidente extorsão, sem conseguir separar os pequenos devedores, em geral melhores pagadores, dos grandes caloteiros habituais. Com apoio da bancada ruralista, os grandes maus pagadores sempre conseguiram escudar-se atrás dos pequenos devedores. Nas duas ocasiões, parlamentares do PT aliaram-se ao grupo ruralista e apoiaram os caloteiros, alegando cuidar dos interesses dos pequenos produtores.

A maior novidade, agora, é estar o Tesouro sob a guarda de um governo petista. A injustiça principal apontada pelo senador Mercadante - a vantagem para os grandes e tradicionais devedores - é a mesma denunciada em 1995 e em 1998 em editorias neste jornal e em pronunciamentos de políticos e empresários contrários à consagração do calote como forma habitual e regular de lucro.

Além do mais, o governo não foi pressionado, desta vez, para ceder em troca de apoio a projetos importantes. O Executivo simplesmente deixou de agir diante de problemas evidentes do setor rural. As dificuldades acumularam-se em mais de uma região desde o começo do ano passado, quando lavouras no Sul e no Centro-Oeste foram destruídas por uma estiagem prolongada. Problema semelhante afetou a agricultura nordestina, depois, e a inquietação dos agricultores foi evidente durante o ano todo.

Só recentemente o governo anunciou a liberação de créditos e de verbas orçamentárias para a comercialização das lavouras em fase de colheita. Foi uma iniciativa bem-vinda, mas atrasada e insuficiente em face das dificuldades vividas por milhares de agricultores. O passo mais ousado foi a decisão, recém-anunciada pelo Banco do Brasil, de renegociar as dívidas de cerca de 2.500 produtores, no valor de R$ 960 milhões.

Com preços baixos, dívidas acumuladas, câmbio desfavorável e vendas de carne prejudicadas pelo surto de aftosa do ano passado, milhares de agricultores e pecuaristas estão em dificuldades, neste momento, e têm o direito de cobrar maior atenção do poder público.

Mas o governo - não por omissão do Ministério da Agricultura, mas por teimosia da área financeira - age muitas vezes como se os problemas não existissem. Dessa forma, comete dois erros. O primeiro é deixar desprotegido, num momento crítico, um setor de enorme importância para a exportação, para a estabilidade de preços e para a movimentação da economia nacional.

O segundo é expor-se, por omissão, ao risco de ações políticas potencialmente desastrosas, como a aprovação do novo projeto de renegociação de dívidas rurais. Com maior atenção aos problemas reais, o governo produziria os resultados necessários a um custo muito mais baixo.