Título: Kirchner comemora 37 meses de expansão
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2006, Economia & Negócios, p. B7

Presidente argentino faz discurso recheado de auto-elogios

O presidente Néstor Kirchner fez ontem o que os argentinos chamam de "autobombo" - uma enxurrada de elogios a si próprio. Na abertura do ano parlamentar, perante a maioria dos senadores e deputados no plenário do Congresso Nacional, além dos governadores das províncias, o presidente argentino comemorou o crescimento da economia do país, que no ano passado teve aumento de 9,1% no Produto Interno Bruto (PIB), "um dos mais altos do mundo". Kirchner afirmou que desde o fim da crise, no primeiro semestre de 2003, o país acumula 37 meses de crescimento, o equivalente a 36% do PIB. Segundo ele, desde os primeiros anos do século 20 o país não apresentava expansão similar.

Recorrendo a metáforas com a Divina Comédia do italiano Dante Alighieri, o presidente argentino afirmou que o país "ainda está no inferno". No entanto, destacou que "agora" a Argentina "está no rumo correto" e, por isso, está deixando "o calvário para trás", avançando "degrau a degrau".

"É o início de uma nova etapa no modo de funcionamento da economia do país", disse Kirchner, acrescentando que sua política tem como base "a disciplina fiscal, a redução do peso da dívida, superávit externo, crescimento das reservas, vigoroso aumento das exportações e a alta dos investimentos produtivos". Kirchner ufanou-se da "reversão da fuga de capitais" e afirmou que a pobreza, embora elevada, havia tido significativa queda, passando dos 57% da população quando tomou posse, em 2003, para 34% atualmente.

Em referência ao período dos ex-presidentes Carlos Menem (1989-1999) e Fernando de la Rúa (1999-2001), Kirchner garantiu que "nunca mais" na Argentina serão aplicadas "receitas ortodoxas" que "levaram o povo a passar fome".

O desemprego encolheu, disse Kirchner, com a criação de 300 mil postos de trabalho "genuínos" em 2005. "De cada 100 assalariados desses postos novos, 92 têm carteira assinada. Nos anos 90, a relação era de 60 com carteira para cada 100 empregos criados." O presidente disse que tem a esperança de que no fim deste ano o desemprego será inferior a um dígito (algo que não ocorre desde 1989).

Kirchner ressaltou que no processo de reindustrialização da economia argentina foi importante a assinatura do acordo para a criação do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC) com o Brasil. O mecanismo consiste em um sistema de salvaguardas comerciais, cujo objetivo é impedir eventuais invasões de produtos brasileiros no mercado argentino e vice-versa.

O presidente também comemorou o pagamento do total da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), na primeira semana deste ano: "Foi um verdadeiro marco histórico, depois de quase 50 anos de dependência financeira desse organismo".

Kirchner referiu-se ao combate à inflação como se fosse uma saga nacional. O presidente sustentou que "a inflação é transitória e o governo está firme" em seu combate. Ele pôs a culpa da escalada inflacionária na alta dos preços internacionais das commodities. Em um recado aos empresários argentinos, disse que existem muitos "avarentos" que querem lucrar à custa dos bolsos dos argentinos.

PARLAMENTO OBEDIENTE

A platéia que ouviu Kirchner ontem é definida como "dócil", já que o presidente conta com a obediência do Senado e da Câmara. No primeiro, ele tem folgada maioria. Na segunda, junto com seus aliados, possui número suficiente de deputados para aprovar as leis que deseja.

Desde que tomou posse, em maio de 2003, o Parlamento aprovou, sem demora, e de forma quase automática, todas as leis solicitadas pelo presidente. Os partidos da oposição - principalmente a União Cívica Radical (UCR), o Proposta Republicana (PRO) e o Alternativa por uma República Igualitária (ARI) - sofreram, nos últimos meses, um êxodo de seus integrantes, que passaram a apoiar Kirchner.