Título: Recuo na telefonia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2006, Economia & Negócios, p. B3

O governo adiou para 1º de janeiro de 2007 a cobrança das ligações por telefone fixo com base nos minutos falados e não nos pulsos, como acontece hoje. Antecipou-se, assim, a uma inevitável onda de reclamações que viria das pessoas habituadas a comunicar-se demoradamente por telefone - pois nas ligações com mais de três minutos de duração o preço seria muito mais elevado do que o atual.

A decisão de voltar atrás não é isenta de custos. No plano institucional, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) pareceu estar submetida ao Ministério das Comunicações e, ao que tudo indica, este, por sua vez, curvou-se a uma determinação da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Na verdade, a decisão seria da alçada exclusiva da Anatel, conforme o modelo de agências reguladoras independentes do Poder Executivo.

As companhias de telefonia fixa protestaram, alegando que a cobrança por minutos seria mais justa para os consumidores em geral. "Como a modificação tem de ser feita de forma a não alterar as receitas totais da empresa, quem paga menos do que deve passaria a pagar mais", disse o presidente do Grupo Telefônica no Brasil, Fernando Xavier. E o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), Jose Fernandes Pauletti, argumentou que a cobrança por minutos seria "mais simples e benéfica para a sociedade".

Não é bem assim. A mudança não seria cosmética, implicando a alteração de hábitos e atingindo sobretudo pessoas de idade que usam o telefone como alternativa a sair de casa para conversar com os amigos.

A volta atrás na cobrança também é benéfica para quem usa acesso discado à internet, ou seja, cerca da metade dos internautas, tanto que o governo já anunciou estudos para reduzir esse custo.

O ministro Hélio Costa admitiu que o governo não quer ser responsabilizado por contas de telefone mais elevadas. É evidente que as reclamações cresceriam num ano eleitoral.

O recuo oficial não significa que o novo sistema não tenha vantagens. Com a cobrança por minutos, as contas passariam a discriminar as ligações feitas e o custo de cada uma, contribuindo para o controle dos valores pelos usuários. Além disso, sairiam ganhando os usuários habituados a fazer ligações de curta duração.

O que se esperaria é que mudanças dessa importância para os consumidores houvessem sido bem planejadas, o que não ocorreu. Os contratos de concessão do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) têm prazo de 20 anos e acabam de ser renovados. Ou seja, contratos de longo prazo são interrompidos poucas semanas depois de assinados, sem maior justificativa além do medo das críticas.