Título: Fungo assassino de anfíbios se espalha na mata atlântica
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2006, Vida&, p. A14

Duas pesquisas recentes de cientistas brasileiros apontam disseminação no País

O temido fungo da quitridiomicose, doença que vem dizimando populações de anfíbios na América Central e outras regiões do planeta, também está disseminado no Brasil. Duas pesquisas recentes publicadas por cientistas brasileiros confirmam a presença do patógeno em várias espécies da mata atlântica, um dos biomas mais ameaçados do planeta.

Segundo os pesquisadores, é possível que o fungo esteja associado ao declínio populacional e extinção localizada de algumas espécies, registrado no início dos anos 80. Mas é apenas uma suspeita. Por enquanto, não há provas de mortandade causada pela doença no País. A impressão é de que fungo, sapos, rãs e pererecas convivem em equilíbrio na mata atlântica - algo que poderá mudar com o agravamento do aquecimento global nos próximos anos.

"É preocupante? Claro que é", diz a pesquisadora Vanessa Verdade, da Universidade de São Paulo (USP), uma das autoras do trabalho publicado na revista EcoHealth. "É um alerta de que precisamos de mais pesquisas." O estudo detectou a presença do fungo em cinco espécies de anfíbios, de um total de 25 analisadas, de diferentes regiões da mata atlântica. "Os dados mostram que o fungo está amplamente distribuído" pelo bioma, dizem os pesquisadores.

Outro trabalho, publicado na revista Amphibian & Reptile Conservation, revelou a presença do fungo em uma espécie de rã (Hylodes magalhaesi) que habita riachos de altitude da mata atlântica em Minas Gerais, no município de Camanducaia. A pesquisa, feita com girinos, confirmou a infecção por meio de exames histológicos (de tecido) e de DNA. "A impressão é de que ele está aqui há bastante tempo", diz o herpetólogo Célio Haddad, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro. "Desde a década de 60 há registro dos sintomas, mas não tínhamos os exames para confirmar."

No girino, o fungo Batrachochytrium dendrobatidis causa deformações nos dentes e na boca. No animal adulto, ele infecta a pele, como uma micose. O problema é que, nos anfíbios, a pele funciona como um órgão respiratório, extremamente permeável, usado para a troca de água e gases com o ambiente. Por isso a micose é uma infecção perigosa.

No geral, os cientistas ainda sabem muito pouco sobre a doença, a origem do fungo ou sobre como ele leva o animal à morte. O medo, seja qual for o mecanismo, é que novas perturbações ambientais ou climáticas possam tornar a quitridiomicose igualmente mortífera no País. "A situação é catastrófica na América Central", afirma Haddad. "Mas isso não significa que o mesmo vai acontecer no Brasil. Precisamos monitorar isso de perto daqui para a frente."

MORTANDADE

Na região de El Copé, no Panamá (porta de entrada para a América do Sul), um estudo publicado no mês passado por cientistas americanos e australianos documentou os estragos da doença. Depois que o primeiro sapo infectado foi encontrado, em setembro de 2004, seguiu-se uma mortandade de centenas de anfíbios, incluindo quase 40 espécies de sapos e salamandras. "A alta virulência e o grande número de potenciais hospedeiros para essa doença infecciosa emergente ameaçam a diversidade global de anfíbios", anotam os pesquisadores, cujo trabalho saiu na revista PNAS.

Não se sabe se o homem tem alguma influência sobre a origem ou a dispersão da doença. Associada a tantos outros fatores que já ameaçam os anfíbios, como poluição e destruição de hábitats, entretanto, ela torna-se uma ameaça significativa à preservação de muitas espécies de anfíbios. Os declínios populacionais podem levar a extinção de espécies e prejudicar o equilíbrio ecológico de seus ecossistemas.

O fungo já foi detectado em todos os continentes e, segundo os pesquisadores, está associado ao declínio de pelo menos 93 espécies de anfíbio no mundo - 43 delas na América Latina. A doença é transmitida por contato direto entre os animais ou por dispersão de esporos no meio ambiente, principalmente pela água.

Muitos cientistas suspeitam de uma relação entre o agravamento da doença nos últimos anos e as mudanças climáticas associadas ao aquecimento global. Alterações de temperatura e de pluviosidade podem criar condições mais propícias à transmissão do fungo e tornar os animais mais suscetíveis.