Título: Cientistas pesquisam pacientes com aparência saudável e artérias em risco
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2006, Vida&, p. A13

No estudo internacional, serão receitadas estatinas mesmo para quem não tem colesterol 'ruim' alto

Um estudo conduzido em diversos países, entre eles o Brasil, busca uma nova alternativa para um problema que atinge milhões de pessoas: a prevenção da aterosclerose, formação de placas nas artérias que aumenta o risco de doenças cardiovasculares, como enfarte e acidentes vasculares cerebrais, em pessoas aparentemente sadias.

O projeto, chamado Jupiter, pesquisará pessoas que têm níveis baixos do colesterol 'ruim', o LDL, no sangue, mas que apresentam uma inflamação nas paredes dos vasos arteriais. O item foi aceito há pouco tempo como fator de risco. Recentemente, uma avaliação mundial, chamada Prove-it, demonstrou que cerca de 60% dos casos que os cardiologistas atendem não têm relação com o LDL.

A parcela é muito grande para ser ignorada. O combate ao colesterol 'ruim' deve continuar, porém novos campos devem ser explorados, como a difusão do teste da proteína C-reativa ultra-sensível, ou apenas PCR (veja quadro ao lado), que busca a proteína que delata a inflamação nas artérias.

No Jupiter, a intenção é administrar doses de estatina - remédio já bastante difundido no controle do LDL - nesses pacientes aparentemente saudáveis - mas com níveis de PCR médio, entre 1 e 2 miligramas por decilitro (mg/ dL). Acima de 3, a situação é reconhecidamente perigosa. 'Em quatro ou cinco anos, poderemos verificar ou rejeitar a hipótese de que pacientes que não têm colesterol alto, mas que apesar disso têm risco médio por causa do PCR, podem se beneficiar do uso do remédio', explica o cardiologista Peter Libby, 'pai' do teste e integrante do projeto.

DIVISÃO

Os 15 mil pacientes serão divididos de forma aleatória por países como Estados Unidos, Argentina, África do Sul, Alemanha e Israel. Uma metade receberá um placebo e a outra, uma estatina chamada rosuvastatina, da AstraZeneca, que patrocina o projeto.

Seu uso é controverso, uma vez que um estudo da Associação Americana de Cardiologia, publicado no ano passado, indica que esse medicamento provoca problemas renais e musculares depois de um ano de consumo. Contudo, a dosagem que será experimentada, de 20 mg, está dentro do considerado seguro para o FDA (agência que regula remédios e alimentos nos Estados Unidos) e para a brasileira Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

No Brasil os voluntários estarão espalhados entre alguns centros. 'Será um estudo marco, pois ele pode mudar a maneira de tratar pacientes que não teriam indicação clássica de tomar essa medicação', afirma Raul Dias dos Santos, coordenador do projeto no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo. 'E irá comprovar também se vale a pena medir marcadores inflamatórios para proteger indivíduos contra a aterosclerose.' Segundo Libby, há indícios de que a estatina controla a inflamação com a mesma eficiência que age sobre o colesterol. 'É um resultado novo muito interessante. É uma demonstração clínica da importância dos resultados que saem dos laboratórios.'

ESTATINA FASHION

As estatinas são uma classe de medicamentos que trabalha para bloquear uma substância no fígado necessária para produzir o colesterol 'ruim'. Elas também ajudam o corpo a liberar o LDL que está preso nas paredes arteriais, reduzindo o risco de enfartes e derrames.

De uns tempos para cá, elas também foram experimentadas em outros campos da medicina, no tratamento de câncer e osteoporose. 'Na ciência, também existe modismo', afirma Libby. 'Muita gente estava entusiasmada com as estatinas, mas os resultados não são muito conclusivos, a não ser para doenças cardiovasculares.'