Título: 'Só eu sou responsável', diz Saddam
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2006, Internacional, p. A10

Ex-ditador admite ter ordenado julgamento de xiitas depois massacrados e diz que é o único que responde pelo regime

O ex-presidente iraquiano Saddam Hussein, de 68 anos, admitiu ontem ter ordenado o julgamento de muçulmanos xiitas da aldeia de Dujail - executados depois, em 1982 - e a destruição de suas fazendas. Também assumiu toda a responsabilidade no caso, o primeiro em que ele e sete assessores estão sendo julgados por crimes contra a humanidade, num tribunal especial, em Bagdá. Saddam acrescentou que não cometeu nenhum crime, apenas cumpriu a lei então vigente no país.

O ex-ditador fez a extraordinária confissão no seu segundo dia na corte esta semana, depois que os promotores leram documentos e apresentaram gravações e imagens que comprovariam sua ligação com a execução de 148 xiitas, todos homens, de Dujail. Segundo testemunhas, Saddam ordenou a matança por ter sofrido uma tentativa de assassinato, quando sua comitiva passava pela região. Os documentos incluíam ordens para confisco de propriedades e transferência de centenas de famílias para regiões desérticas e cartas revelando que cerca de 50 pessoas morreram durante o interrogatório.

Saddam disse que, como presidente, é o único responsável pelos atos de seu governo e a corte não deveria julgar ninguém mais. "Eu os encaminhei para a Corte Revolucionária. Awad era o responsável por aplicar a lei. Tinha o direito de condenar e inocentar", afirmou Saddam, referindo-se a Awad al-Bandar, o ex-chefe da Corte Revolucionária. "Destruí (as fazendas). Relacionamos as fazendas daqueles que haviam sido condenados e eu assinei. É direito do Estado retomar a propriedade ou buscar compensação. Portanto, onde está o crime?"

Ele admitiu ter ordenado a destruição por causa do atentado contra sua comitiva e deu detalhes do ataque. "Vi as balas (das metralhadoras) com meus próprios olhos. Eu estava sentado do lado direito", disse.

O ex-presidente questionou a autenticidade dos documentos apresentados pela promotoria e também aproveitou a oportunidade para discorrer sobre a unidade do Iraque durante seu governo - numa clara referência à atual violência sectária no país. "Saddam não ganhou em 1988 (alusão à guerra contra o Irã), mas o povo iraquiano venceu. Árabes e curdos, e todas as religiões e seitas." O juiz Raouf Abdel-Rahman polidamente pediu a Saddam que concluísse. "Dê-me mais tempo. Fui seu presidente por 35 anos. E sou ainda o presidente do Iraque, de acordo com a Constituição."

Em audiências anteriores, o juiz ouviu depoimentos de testemunhas sobre torturas sofridas por moradores de Dujail.

O julgamento, iniciado em outubro, transcorre em ritmo lento e já passou por vários percalços. Dois advogados de assessores de Saddam foram assassinados, o juiz que presidia o tribunal, Rizgar Amin, pediu demissão, advogados boicotaram as sessões e o ex-presidente e alguns assessores fizeram uma greve de fome de 11 dias no mês passado. Se Saddam for condenado, a pena máxima é a morte por enforcamento.