Título: A comprovação do óbvio
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2006, Notas e Informações, p. A3

A Prefeitura de São Paulo exige dos proprietários de imóveis da capital, sob pena de multa, que cumpram o disposto na Lei 14.089/05, atualizando dados cadastrais e provando o óbvio - que são donos dos imóveis. Os isentos do pagamento do IPTU têm prazo até 31 de março para atender à exigência. Os demais contribuintes, até 31 de outubro. Conforme as Secretarias das Finanças e dos Negócios Jurídicos, apenas 500 mil do total de 2,8 milhões de imóveis da cidade de São Paulo apresentavam, em 2005, informações fiéis sobre seus proprietários.

Com a atualização dos dados cadastrais dos proprietários de imóveis, a Prefeitura pretende atingir alguns objetivos. O primeiro deles seria tornar mais justa a isenção do IPTU, que beneficia 1.150.000 contribuintes - proprietários de imóveis cujo valor não ultrapassa R$ 61.204,11. Ocorre que muitos isentos têm várias casas ou apartamentos como fonte de renda e acabam se beneficiando da isenção, que tem finalidade social. Com o recadastramento, o proprietário terá isenção apenas para o imóvel de maior valor. Quem não atualizar os dados perderá o benefício.

Outro problema que a Prefeitura pretende resolver a partir do programa de atualização do cadastro dos proprietários é o da inclusão na dívida ativa do Município de pessoas que nada devem. Grande parte dos imóveis é vendida sem que o comprador faça a alteração dos dados nos órgãos da administração municipal. Se o comprador não honra os compromissos com o Município - argumenta a Prefeitura -, a cobrança judicial será feita ao antigo proprietário que acabará tendo o nome incluído na dívida ativa e, assim, será prejudicado. Isso não ocorreria se a Prefeitura fizesse a necessária busca nos cartórios de registro de imóveis - uma obrigação básica.

A terceira questão que incentivou a Prefeitura a realizar o recadastramento é a instalação, em abril, da nota fiscal eletrônica. Por meio dela, o tomador de serviços que exigir a nota obterá crédito de 30% do ISS recolhido pelo prestador de serviço na operação. Para a pessoa jurídica, o crédito será de 10%. Os créditos serão acumulados para abater até 50% do valor do IPTU devido pelo próprio contribuinte ou por terceiros. As transferências eletrônicas de créditos serão feitas tendo por base os CPFs dos proprietários dos imóveis ou das pessoas por eles indicadas. A Prefeitura pretende, com esse incentivo, aumentar a arrecadação dos impostos e, segundo o discurso oficial, reduzir a carga tributária para os contribuintes.

O problema é que, para isso, os proprietários de imóveis serão obrigados a fazer, até outubro, o que muitos deles tentaram fazer voluntariamente e a burocracia da própria Prefeitura im+pediu. Não são poucas as pessoas que tentaram, depois de comprar um imóvel, atualizar seus dados nos órgãos da Prefeitura. A quase totalidade desistiu diante das filas intermináveis, da via-sacra entre unidades administrativas e das complexas exigências.

Agora, aquilo que deveria ser feito com o preenchimento de um simples formulário, exigirá dos contribuintes que reúnam cópias de documentos a serem enviadas para as subprefeituras ou Secretaria das Finanças por meio de carta registrada. Os proprietários têm de informar nome, CPF ou CNPJ e comprovar as informações com cópias de documento que ateste a propriedade. A comprovação pode ser feita por meio de matrícula de registro, escritura de compra e venda, contrato de compra e venda ou de cessão de direitos, formal de partilha ou sentença de usucapião.

A Prefeitura receberá documentação referente a 2,8 milhões de imóveis. Para manipular essas informações, foram contratadas mais 220 pessoas e serão instalados 155 computadores nas praças de atendimento das subprefeituras para reduzir a espera dos contribuintes que preferirem ter em mãos protocolos que comprovem a entrega dos documentos e os protejam de possíveis multas provocadas por extravios de correspondências.

Os objetivos da Prefeitura podem ser corretos. O que não é correto é transferir o ônus da fiscalização para o cidadão.