Título: Unidos do Financeiro, de novo a campeã
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2006, Espaço Aberto, p. A2

No desfile da economia, que rola o ano inteiro e tem resultados divulgados perto do carnaval do ano seguinte, venceu novamente a Unidos do Financeiro (UF), ao cantar novos balanços que levantaram sobrancelhas e arquibancadas. Ouviram-se também sonoras gargalhadas e estouros de champanhe nos camarotes de adeptos e patrocinadores da escola.

Entre os turistas estrangeiros, destacava-se um perplexo grupo de Wall Street, cujos integrantes perguntavam como chegar a balanços semelhantes com "sound economic policies" e sem o risco de enfrentar um "effective regulatory apparatus". Tradutores tiveram dificuldade de lidar com essas expressões, alegando inexistência de similares nacionais.

Mais uma vez, a comissão de frente da UF teve banqueiros que não são do bicho, mas igualmente competentes em levantar dinheiro no próprio jogo. Veteranos e gordotes, sempre reverenciados dentro da escola pela tradição de vitórias, ostentavam faixas até de conquistas em juródromos internacionais.

O primeiro carro alegórico teve como destaques o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central, segurando as pontas dos muitos cordões que os equilibravam nas suas posições. Tais destaques são destinados pela escola a quem ocupa esses cargos, e vários personagens já passaram por eles mostrando o mesmo empenho pela UF, às vezes até se associando a ela posteriormente. Posam de manda-chuvas, mas em geral ouvem quem acreditam saber mais do que eles sobre o que fazem nos seus cargos. Tais sábios, contudo, não se mostram no desfile, pois de fora da passarela controlam a UF com rádios e câmeras, alguns sonhando em integrar futuramente a comissão de frente.

A porta-bandeira girava uma toda estampada com notas de R$ 100 em torno do símbolo da UF, o cifrão. Legenda dizia que a escola saudava o povo, sem pedir passagem como outrora, mas vantagens de todo o tipo. Entre outras, um "não" à fiscalização pelo Procon e por prefeituras e outro "não" à de órgãos governamentais de defesa da concorrência.

O segundo carro mostrava uma engenhoca com o nome de Tesouro Nacional, que parecia reproduzir o sonho de todo inventor, o moto-contínuo, que, se colocado em movimento, passaria a gerar sua própria energia, mantendo esse movimento indefinidamente. No caso, era um processo em que aparentemente déficits geravam dívidas, e dívidas geravam déficits. Na realidade, a coisa se alimentava de um combustível de alta potência, o GP, utilizado em corridas de gastos públicos, com ignição acionada por irresponsáveis fiscais e acomodado em enormes contêineres de carga tributária já usados. Apesar de seu tamanho, vazavam pelos ladrões, pois eram insuficientes para acomodar o GP.

O enredo teve como tema "O espetáculo do crescimento dos ... e de frouxidão do ...", e a UF sorteou prêmios a quem preenchesse um cupom com dados pessoais e as palavras que completassem corretamente a frase. Conforme previsto, o prêmio ficou para torcedores da própria escola, pois entre eles a resposta "juros e PIB" era facilmente lembrada.

Nas alegorias destacavam-se estandartes com símbolos de moedas fortes. Em contraste com o entusiasmo das demais alas, mas sem comprometer o conjunto porque ignorada por ele, havia também uma pequena ala, a dos Sobreviventes, na qual desfilavam, com muito esforço, clientes e mutuários magros e descalços, vestidos apenas de tangas ou barris e ostentando cordas no pescoço.

A bateria manteve a tradição de tocar no ritmo em que se destacava um repique de surdos soando algo como "copom-sobe-jurão-que-acho-bão", seguido de uma paradinha e de um momento de empolgação extenso como um spread. Era marcado por sons de pandeiros e de chocalhos de moedas, junto com os de aplausos de toda a escola e de sua torcida. No meio desta se destacava também um grupo que tudo aplaudia e ostentava uma faixa se intitulando "aplicadores em fundos DI". Uma ala de jovens se gabava de seu noviciado na UF por meio de uma escolinha chamada Tesouro Direto.

No meio do desfile foi retirado do camarote principal um penetra mascarado que se dizia presidente da República e candidato a novo mandato, com faixa e terno frouxos, a demonstrar emagrecimento. Cantava frases desconexas com termos em economês, como superávit primário, aperto monetário, dragão inflacionário, distribuição de renda para ricos, seguidas do refrão "O que quero mesmo é gastar neste país, neste país."

O samba-enredo, centrado em derivativos, não empolgou as arquibancadas, mas toda a escola e os seus torcedores vibravam com o refrão: "É o juro lá no alto/Onde o spread sobe aos saltos/Produção não é com a gente/Quem faz isso anda doente."

Nesse estado, ficou em último lugar a Sofridos da Agricultura, desorientada pelo apagão da energia cambial e com fantasias muito pesadas, evocando dívidas da escola. Sem sucesso, representantes da Chorosos da Indústria e da Comerciantes ao Relento reclamaram em Brasília à Comissão Organizadora, alegando jogo sujo da UF, que antes e durante o desfile teria oferecido aos integrantes dessas duas escolas um refresco do tipo Boa Noite, Cinderela, à base de juros soporíficos.

Pediram também uma redução dos juros cobrados para o financiamento do carnaval e das taxas e impostos devidos à Comissão Organizadora, enfrentando sorrisos irônicos e nenhuma promessa de atendimento. Na bolsa de apostas para o próximo desfile, a UF é novamente a franca favorita, e as demais, tidas como azarões.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda