Título: O futuro do álcool
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2006, Notas e Informações, p. A3

Muito antes de o governo e os produtores de álcool se envolverem na disputa a respeito do preço do combustível nas usinas, já estava em curso um processo de expansão do setor sucroalcooleiro que só se compara ao do período do lançamento do Proálcool, nos anos 70. Cerca de uma centena de usinas de açúcar e álcool estão em construção e deverão ser entregues nos próximos cinco anos, alterando a matriz energética brasileira, gerando empregos e atendendo à demanda externa.

O Brasil é o maior produtor e o maior exportador de álcool do mundo. A produção brasileira aumentou de 10,5 bilhões de litros na safra 2000/2001 para 15,4 bilhões de litros na safra 2004/2005. Mas, para atender à demanda interna e externa, precisará atingir, no mínimo, cerca de 21 bilhões de litros por ano, segundo especialistas, ou 27 bilhões a 30 bilhões de litros, na opinião de produtores, até 2010.

A redução de 25% para 20% do porcentual de álcool anidro adicionado à gasolina, como acaba de definir o governo, provavelmente não resolverá os problemas conjunturais que determinaram a alta do preço do álcool. Mas certamente agradará à Petrobrás, que venderá mais cara a gasolina e viabilizará o alcoolduto que construirá para a exportação da commodity. O País produz álcool a um custo de 19 centavos de dólar por litro, valor muito inferior à média mundial de 40 centavos de dólar e à dos concorrentes mais competitivos, como a Austrália, a Índia e a Tailândia, cujos custos oscilam entre 26 e 30 centavos de dólar por litro.

Não há, aparentemente, turbulências políticas capazes de tolher a expansão do setor. Com as pressões altistas sobre o preço do petróleo, o álcool se afirma como commodity adequada para complementar a oferta de combustíveis, sempre que os preços na bomba não superem em 70% os da gasolina, cujo poder calorífico é superior. O álcool, além do mais, tem a vantagem de ser um combustível renovável e menos poluente e, portanto, interessante para os países desenvolvidos.

Um levantamento recente da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica) mostrou que estão em curso, no Brasil, investimentos de US$ 10 bilhões em 89 novas usinas, mas se sabe que o número de projetos em estudos é ainda maior, sem falar do interesse despertado nos investidores estrangeiros que acorrem ao Brasil.

E um levantamento da consultoria KPMG, divulgado terça-feira pelo Estado, mostrou que nos últimos cinco anos houve 35 operações de fusão e aquisição no setor, 150% a mais do que no qüinqüênio anterior. Não faltam, ademais, recursos para investir: em 2005, o BNDES destinou R$ 1,15 bilhão para o setor e esse montante deverá duplicar em 2006.

O estímulo vem da demanda. Mais de 800 mil veículos flex-fuel foram produzidos em 2005, respondendo por 50,2% da produção vendida no mercado interno, porcentual que chegou a 72,8%, no mês de janeiro. Além de atender à demanda interna, o Brasil exportou 2,58 bilhões de litros de álcool na safra 2004/2005 e apurou US$ 584 milhões.

Ao contrário do que ocorria no passado, a alternativa de produção das usinas - álcool ou açúcar, sendo escolhido o produto que oferecesse melhor remuneração no momento - causa menos apreensão. "A cotação do açúcar está no maior patamar em 25 anos, mas isto é temporário", notou o diretor de um grande grupo paulista, o Açúcar Guarani, que está aumentando de 20% para 30% a participação do álcool na sua produção. Dada a alta probabilidade de que os preços do petróleo no mercado internacional se mantenham, os usineiros têm dado preferência ao álcool.

Para sustentar a produção, aumenta o plantio de cana-de-açúcar e a quantidade de bagaço disponível nas usinas, que serve para a co-geração de vapor e eletricidade.

Segundo o Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), o peso do álcool na matriz energética passou de 6,8%, em 1978, para 13,5%, em 2004, devendo atingir 14,3%, em 2010. É provável que o peso do álcool nas exportações cresça bem mais.