Título: Farinha do mesmo saco?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2006, Notas e Informações, p. A3

Pela primeira vez desde que foi criado o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, a maioria de seus membros votou contra um relatório que pedia a cassação de um deputado por quebra de decoro parlamentar. Por 9 votos a 5, o Conselho absolveu o líder do PP, Pedro Henry, acusado de se beneficiar do "mensalão". Além de inédita, a decisão é surpreendente, porque a maioria dos que votaram pela absolvição representa partidos de oposição, alguns dos quais têm inquirido com rigor depoentes nas CPIs. É o caso de Carlos Sampaio (PSDB-SP), promotor de Justiça e relator do processo agora encaminhado ao plenário.

Essa particularidade permitiu ao relator do processo no Conselho, Orlando Fantazzini (PSOL-SP), fazer grave acusação a seus pares, ao justificar a inusitada derrubada de seu relatório com o voto majoritário (e aberto!) de tucanos e pefelistas, que haviam tentado antes, sem sucesso, impedir a aprovação do relatório recomendando a cassação de Roberto Brant (PFL-MG). Ele denunciou a existência de um "acordão" entre PT, PP, PSDB e PFL. "Há uma aliança em curso entre esses partidos para que seus deputados processados no Conselho escapem da cassação do plenário", disse. E mais: "Só não imaginava que o acordão se concretizaria no Conselho, já que no plenário o voto é secreto."

De fato, a decisão às escâncaras do Conselho prenuncia novas absolvições no plenário, no qual cada deputado pode optar tranqüilamente pelo corporativismo sem se expor à execração do eleitorado daqui a nove meses. Pois, como sempre haverá um bom número de votos a favor das cassações, restará a opção de votar a favor do réu, mas fingir fazer parte da minoria pela punição. O espírito de corpo funciona a favor do colega julgado, sem levar em conta os efeitos deletérios de uma decisão nociva à imagem da instituição, já muito desgastada. Será ingenuidade imaginar que algum deputado levará em conta os interesses dos representados numa votação secreta na qual está em jogo a sorte do colega que se senta a seu lado. Como prevalece na corporação a norma consensual de uma mão lavar a outra, a grande maioria decide o futuro desse colega contando com a possibilidade de um dia este poder vir a decidir a favor dele.

Como ficou provado em outro episódio inédito, o da absolvição do deputado Romeu Queiroz (PTB-MG) pelo plenário, contrariando pela primeira vez a recomendação, pela cassação, do Conselho de Ética, pesam muito nessas votações interesses regionais e as relações de camaradagem entre julgadores e julgados. Já nas votações do Conselho de Ética, seus membros assumem publicamente seus votos após tomar conhecimento de provas e testemunhos que lhes são exibidos no processo a ser julgado. São públicas e notórias as provas de que Pedro Henry sacou dinheiro do chamado "valerioduto". Além disso, depuseram no Conselho testemunhas que descreveram como ele teria redistribuído a membros de sua bancada parte dos recursos sacados. Mas a maioria de seus julgadores não levou em conta provas e testemunhos de que ele cometeu mesmo o grave delito de, na condição de representante da sociedade, vender a própria opinião por um punhado de moedas de origem inquestionavelmente escusa.

A absolvição do líder do PP, além de injustificável, é grave por mostrar que as ambições partidárias prevalecem sobre o interesse público mesmo num Conselho de Ética criado para evitar que isso ocorra. E também por evidenciar que, assim como o PT e o governo malbarataram seu patrimônio ético, com a cega fé de que ninguém jamais perceberia a distância abissal entre seu discurso moralista e a prática de corrupção deslavada, os partidos de oposição imaginam que podem agir de maneira similar. Lula e o PT convenceram 50 milhões de eleitores a lhes confiar a chefia do governo, garantindo-lhes que adotariam práticas diferentes das até então adotadas por seus adversários. Agora pretendem vencer a disputa eleitoral partindo do pressuposto de que estes são iguaizinhos a eles. A continuarem agindo como neste caso, PSDB e PFL passarão o recibo de que podem ser, de fato, "farinha do mesmo saco".