Título: O acordo com a China
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2006, Notas e Informações, p. A3

A China aceitou limitar o crescimento de suas exportações de produtos têxteis para o Brasil, segundo anunciou em Pequim, depois de quatro dias de reunião, o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho. Deu resultado satisfatório, até agora, o primeiro esforço do governo brasileiro para conter a enxurrada de produtos chineses no mercado nacional - problema enfrentado também por americanos e europeus e agravado com a extinção, no início de 2005, do sistema de cotas para o comércio global de têxteis.

Em apenas um ano, de 2004 para 2005, as importações brasileiras de tecidos, fios e roupas de fabricação chinesa cresceram 35,3% em tonelagem e 43,2% em valor, assustando os produtores brasileiros. Estados Unidos e União Européia reagiram antes e foram os primeiros a conseguir acordos para limitação de exportações de têxteis chineses.

Outros setores da indústria brasileira já pediram ou poderão pedir, em breve, proteção oficial contra a invasão de produtos da China. Fabricantes de óculos, brinquedos e alto-falantes encaminharam ao governo pedidos de salvaguarda. Fabricantes de máquinas e equipamentos poderão seguir esse caminho, segundo empresários do setor de bens de capital.

Palavras como invasão e enxurrada são usadas de forma exagerada, muitas vezes, para descrever o aumento de fluxos comerciais entre países. São adequadas, no entanto, para descrever a ocupação de mercados pela China.

Em junho do ano passado, o semanário francês Le Point dedicou 22 páginas, numa edição de 98, a uma reportagem sobre a transformação econômica chinesa e suas conseqüências para a economia mundial. Nem a produção vinícola chinesa, apontada como promissora, foi negligenciada na reportagem - um detalhe notável, no caso de uma publicação francesa.

O maior impacto sofrido pela economia do México, em 2005, foi causado pela penetração de produtos chineses nos Estados Unidos, de longe o mercado mais importante para os exportadores mexicanos. Setores da indústria brasileira já acusam efeitos semelhantes, na disputa de mercados no Primeiro Mundo.

Que a concorrência chinesa em todos os mercados seria arrasadora já se sabia há vários anos e a experiência está confirmando as previsões mais pessimistas. Mesmo sem câmbio desvalorizado e com padrões trabalhistas mais parecidos com os do Ocidente, a China seria uma competidora temível, por causa da escala de suas indústrias e de sua rápida modernização. Mas os padrões trabalhistas chineses são bem diferentes dos adotados no Brasil e noutros países ocidentais. A diferença é agravada pelo sistema político, ainda avesso à liberdade sindical.

Além disso, a economia chinesa é amplamente sujeita à intervenção do Estado e a formação de seus preços não tem a mínima transparência.

Isso explica por que pouquíssimos governos se dispuseram a reconhecer a China como economia de mercado. As autoridades brasileiras prometeram esse reconhecimento, mas ainda não o formalizaram. Nem vão formalizá-lo, disse na sexta-feira o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, enquanto não se cumprirem "os compromissos de Pequim de investimentos no Brasil e de compra de aviões e de itens agropecuários brasileiros".

Falta saber se essa declaração representa a posição do governo ou se manifesta apenas uma expectativa do ministro. A diplomacia brasileira mantém, diante da China, o aparente entusiasmo demonstrado desde a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim.

O contencioso a respeito de têxteis serviu para acrescentar uma pitada de realismo à ação do governo brasileiro. O governo chinês, aparentemente, entende as preocupações do empresariado brasileiro. Sua aceitação das limitações, no caso das exportações de roupas, tecidos e fios, evitou o recurso às salvaguardas comerciais. Melhor assim. Mas o governo brasileiro não renunciou ao uso de salvaguardas, quando as considerar necessárias. Seria uma tolice buscar conflitos com um parceiro tão importante quanto a China, mas seria igualmente irresponsável encarar como normal o comércio com um gigante com as características políticas, sociais e econômicas da China.