Título: Câmara cansou de cassar
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2006, Nacional, p. A6

A obstinação dos partidos em negar quórum às segundas e sextas-feiras na Câmara no momento em que a presença do número mínimo de parlamentares nas sessões é fundamental para permitir a contagem de prazo para a tramitação dos processos de cassação não deixa dúvida: há um acordo tácito para ganhar tempo, de modo a que os envolvidos no escândalo do mensalão possam terminar seus mandatos naturalmente, sem o trauma da punição.

E para isso não é preciso muito. Basta levar as coisas em banho-maria por três meses: março, abril e maio. Em fevereiro nada mais se faz. Termina o período de convocação extraordinária, duas semanas são ocupadas com a escolha dos novos líderes de bancadas, vem o carnaval e a primeira semana de março já está perdida.

Recomeçam os trabalhos sob a égide da mesma pachorra que pautou a agenda do início do ano, e os políticos estarão ocupados com prévias e definições de candidaturas presidenciais. Abril estará tomado pela cena da reforma ministerial e da repercussão das escolhas dos partidos.

Em maio retoma-se a dinâmica da enrolação e pronto, eis que se inicia o mês de junho com os parlamentares voltados para as articulações das convenções nacionais para oficialização de candidatos.

Em julho há recesso e, com ele, encerra-se o ano legislativo, pois em agosto começa de fato a campanha eleitoral. Nessa altura, os integrantes da lista de cassações muito provavelmente já estarão com as legendas garantidas pelos respectivos partidos para disputar a eleição em outubro e aí a bola estará com o eleitor: ele decide se suas excelências mensalistas voltam ou não quatro meses depois para assumir mais quatro anos de mandato.

O roteiro está escrito e, tudo indica, com excelentes chances de ser cumprido com o beneplácito de todos os partidos, cuja disposição de fazer do palavrório em defesa da recuperação da dignidade do Parlamento um punhado de pó está expressa nessas ausências da convocação extraordinária.

Não se trata apenas da confirmação do velho hábito de não trabalhar às segundas e às sextas-feiras. É mais do que isso.

É uma ação deliberada para procrastinar os processos. O quórum exigido para permitir o andamento dos trabalhos é tão baixo (51 deputados) que bastaria um só partido de bancada mediana - o PSDB, por exemplo - registrar presença plena no plenário e os prazos seriam contados normalmente.

Se a conclusão sobre a existência de um acerto nefasto é injusta, por que duas ou três legendas não se juntam num esforço razoável, mobilizam apenas seus deputados de Brasília e Goiás (20 minutos de avião até a capital) e asseguram o número necessário para fazer a Câmara funcionar?

Porque não há partidos de peso interessados em quebrar o pacto da morosidade por meio do qual os deputados estão dizendo à população que para eles já chega, está bem assim: dois mortos - Roberto Jefferson e José Dirceu -, alguns feridos e nada mais.

Bar Brasil

Se o presidente Luiz Inácio da Silva não bebe há 40, 50 ou 60 dias, realmente não é o ponto importante da questão levantada em entrevista do ministro Luiz Fernando Furlan na África.

O que chama atenção é a reforma do avião oficial para a inclusão de um bar num espaço de trabalho que, em última análise, é a extensão do gabinete presidencial.

Sossega leão

O que teria levado o governador Aécio Neves a admitir a hipótese da realização de uma prévia no PSDB, como sugeriu o governador Geraldo Alckmin?

Nada, a não ser exibir serenidade, naturalidade ante qualquer proposta e evitar criar confusão com Alckmin, cuja agitação pré-eleitoral tem causado desconforto à cúpula tucana.

Estava combinado que o governador poderia buscar visibilidade a fim de tentar se firmar como alternativa a José Serra. Mas o confronto não estava - e continua não estando - nos planos.

Tamancas

Quem quiser ver o governador do Rio Grande do Sul e candidato às prévias do PMDB, Germano Rigotto, bravo de verdade é só dizer que o PSDB torce pela vitória de Anthony Garotinho porque ele tiraria votos de Lula.

Rigotto acha que não é nada disso, que o tucanato está é com medo da concorrência: "Tenho perfil parecido com o deles e, além disso, não sou vulnerável. Ainda não tive tempo de aparecer com bons índices de aceitação nas pesquisas, mas não tenho rejeição. Seja qual for o motivo, o PSDB não pode querer indicar o candidato do PMDB."

Apontado como uma espécie de candidato-tampão, pronto para desistir e levar seu partido à vaga de vice de um outro partido, Rigotto também perde a placidez diante do tema.

Se passar pelas prévias, diz, o partido - ou parte dele - pode até abandoná-lo. "Mas eu não abandono a candidatura jamais. Vou ser a novidade da eleição."