Título: Duas décadas após o Cruzado, crescer sem inflação ainda é sonho
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2006, Economia & Negócios, p. B4,5

Mesmo fracassado, plano deixou lições que foram aproveitadas com sucesso na criação do real

O dilema de conciliar inflação baixa com crescimento persiste há duas décadas, desde o lançamento do Plano Cruzado, em 1986, a primeira tentativa de estabilização da moeda. Economistas consideram que, de lá para cá, parte do problema - a inflação alimentada pela inércia dos preços - foi equacionado.

O principal desafio agora é desatar o nó do crescimento sustentável. Baixar juros é condição necessária, porém insuficiente para deslanchar o investimento, concordam os economistas. Mas eles apontam a redução do tamanho do Estado, especialmente a mudança na forma de ele operar, como fator fundamental para impulsionar o investimento e o crescimento.

Apesar de o Plano Cruzado ter sido uma tentativa fracassada de conter a inflação galopante, o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, diz que o plano deixou três lições. A primeira foi a constatação de que é difícil crescer com inflação. A segunda foi a necessidade de romper a inflação inercial. "O congelamento de preço do Plano Cruzado só deu problema, mas o mecanismo bem-sucedido da Unidade Real de Valor (URV), usado depois no Plano Real, foi um avanço para quebrar a inflação inercial", afirma Mendonça de Barros.

A terceira lição, lembra o economista, foi a necessidade de abrir uma economia fechada. "Nos anos 80, havia uma aliança inflacionária que só foi quebrada com importação. A abertura efetiva veio posteriormente com o Plano Collor", observa o economista.

O legado que o Plano Cruzado não deixou, pondera Mendonça de Barros, foi como fazer a passagem da inflação baixa para o crescimento, que é o atual dilema da política econômica. Na sexta-feira, por exemplo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o País cresceu apenas 2,3% no ano passado. No mesmo período, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe ficou em 4,53%, a menor marca em cinco anos.

"Resolvemos uma parte do dilema, que é a inflação. Não resolvemos o problema do Estado." Na análise de Mendonça de Barros, não basta cortar juros para deslanchar o investimento e, conseqüentemente, o crescimento. Ele diz que, especialmente no atual governo, o Estado ficou grande demais para ser consistente com crescimento sustentado.

"Como caminhar para o crescimento sustentado com os investimentos se reduzindo", questiona. Ele observa que nunca o investimento federal foi tão pequeno e ressalta que fazer política fiscal não é só economizar recursos, mas mudar a forma do Estado operar.

Essa avaliação é compartilhada pelo economista Heron do Carmo, presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP) e professor da da Universidade de São Paulo (USP). "Hoje o Brasil cresce pouco, muito aquém dos outros países emergentes e do mundo, mais por problemas de finanças públicas", observa.

Na opinião do economista, mais da metade do problema, que era a hiperinflação, está equacionado. A questão agora reside em criar condições para aumentar o investimento, que é a mola propulsora do crescimento.

Heron destaca que o setor público participa muito e de forma distorcida da economia, seja por meio da elevada carga tributária, que drena recursos do setor privado que poderiam ser direcionados para o investimento, seja gastando mal o que arrecada com despesas de custeio.

"Estamos agora com a faca e o queijo na mão, falta só vontade política para cortar", compara Heron. Essa vontade política, segundo ele, seria o redimensionamento do papel do Estado como propulsor do investimento, especialmente desembolsando recursos para a infra-estrutura.

"O Estado gasta e gasta mal e não consegue deslanchar o crescimento", afirma Fábio Silveira, economista chefe da RC Consultores. Segundo ele, na época do Plano Cruzado, o principal obstáculo ao crescimento era a inflação. Hoje, no entanto, debelada a inflação, o foco da questão é a geração de investimentos para ampliar a capacidade de produção. Essa discussão, diz ele, passa necessariamente pelas reformas para encolher o tamanho do Estado.