Título: Especulação pode estar por trás do aumento do preço do álcool
Autor: José Maria Tomazela
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2006, Economia & Negócios, p. B1

Produtores deixaram de colher 3 milhões de toneladas de cana madura, suficientes para abastecer o mercado

As usinas e destilarias deixaram 3 milhões de toneladas de cana-de-açúcar madura nos canaviais no fim de 2005. A maior parte está no interior de São Paulo, que responde por 40% da produção nacional. Se essa cana fosse transformada em álcool, renderia 2,4 bilhões de litros, suficientes para abastecer o mercado e evitar os aumentos de preço do combustível.

A diretora-regional do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo (Sincopetro), Ivanilde Vieira, suspeita de manobra especulativa. "Reter a matéria-prima num quadro de escassez é indício de especulação", comentou.

Produtores e usineiros alegam que as chuvas antecipadas do fim do ano impediram a colheita. "Com a terra encharcada, fica impossível entrar com máquinas e caminhões nos canaviais", disse Jairo Menesis Balbo, diretor-industrial da Usina São Francisco, em Sertãozinho, interior de São Paulo.

Por conta da escassez, o preço do álcool na usina subiu de R$ 0,99 no fim de novembro para R$ 1,20 esta semana, sem impostos. Ou seja, o valor da cana não cortada, considerando a produção potencial de álcool, saltou de R$ 2,37 bilhões para R$ 2,88 bilhões - uma valorização de R$ 510 milhões.

Balbo garante que as usinas tinham interesse em completar a colheita, mas as chuvas não permitiram. Na entressafra, as empresas também fazem o desmonte das usinas para manutenção. Quando a operação se inicia, a produção só é retomada quando começa a safra nova.

Além da dificuldade operacional, a cana colhida em período de chuvas perde a produtividade, segundo o engenheiro agrônomo Manoel Carlos Azevedo Ortolan, presidente da Organização dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Orplana) e líder de 13 mil produtores. "O teor de açúcar cai muito e o rendimento baixa", justifica.

Para Balbo, a alta nos preços não pode ser atribuída às baixas reservas de álcool. Outros fatores, como o bom preço do produto no mercado externo - pelo menos 10 centavos acima do preço interno - e a alta cotação do açúcar, tiveram mais impacto na oferta do combustível.

Cerca de 58% da cana colhida na safra passada na região foram para a produção de açúcar. Ele defende a formação de estoque regulador pelo governo no período de safra, para evitar o desabastecimento. Comprando o álcool no pico da safra e vendendo na entressafra, o governo estabiliza os preços.

SAFRA ANTECIPADA

A cana "bisada", como o setor denomina a lavoura que ficou de uma safra para a outra, vai permitir o início antecipado da safra 2006/07, que o governo pediu aos usineiros. A colheita, que ocorre normalmente entre abril e maio, começa na próxima semana. O objetivo é despejar no mercado, até abril, de 500 mil a 600 mil litros de álcool para afastar o risco de desabastecimento.

A primeira moagem ocorre em plena Quarta-Feira de Cinzas, na Destilaria Cocamar, em São Tomé, noroeste do Paraná, com a presença do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. Em São Paulo, algumas usinas voltam a operar na segunda quinzena. A São Francisco, que tradicionalmente inicia o corte em maio, antecipou para 17 de abril. "Será a primeira vez em 51 anos", disse Balbo.

O volume antecipado equivale ao que teria sido comprado e estocado por distribuidoras clandestinas entre novembro e dezembro, segundo os próprios usineiros. Desde 6 de janeiro, está em vigor a lei que manda tingir com corante alaranjado o álcool anidro, que é misturado à gasolina. Por ser isento de ICMS, esse álcool é mais barato que o hidratado, vendido direto na bomba.

Além do ganho com a sonegação, essas distribuidoras enxugaram os estoques e criaram condições para aumentos de preço. A presidente regional do Sincopetro disse que as usinas não podem vender álcool a distribuidoras clandestinas. Ela reclamou da falta de fiscalização da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Ivanilde Vieira criticou a decisão do governo de reduzir o volume de álcool adicionado à gasolina de 25% para 20%. "É inócua porque já está causando aumento de 2,6% na gasolina e, com isso, pode aumentar o consumo do álcool." O motorista com carro a gasolina vai fazer o "rabo-de-galo", adicionando álcool no tanque.

Para o consultor e usineiro Maurílio Biagi Filho, a redução do álcool na gasolina foi a medida possível nas condições atuais do mercado. "O abastecimento só poderia ser mantido em toda a safra 2006/07 se os produtores do centro-sul limitassem a produção de açúcar a 2,2 milhões de toneladas, repetindo o volume da última safra." Além disso, teriam de produzir 16,8 bilhões de litros de álcool e limitar a exportação a 600 milhões de litros. "Mas nenhuma dessas hipóteses é desejada pelos produtores."

O risco, segundo ele, é a perda de credibilidade tanto do consumidor interno quanto do externo. "Criamos o boom do álcool, mas temos de cuidar para não sermos vítimas dele." Ele lembra que o País precisa plantar mais 3 milhões de hectares de cana e dobrar a produção de álcool até 2010. Investimentos não faltam, garante. "O setor está investindo R$ 30 bilhões."