Título: A próxima vítima, nossas maltraçadas linhas?
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2006, Internacional, p. A12

Nem providenciaram ainda o caixão para sepultar a era dos telegramas e já apareceu gente a nos dizer que a próxima vítima de nossas modernidades será a escrita. Não esta, digitada em teclado e lida no piloto automático. Esta tem vida longa. A nova vítima é sua tataravó, a escrita a mão - aquela que os sumérios inventaram há 5 mil anos e à qual recorremos cada vez menos, com pressa e com preguiça, para um breve "Volto já" ou "Almoçarei fora, tchau".

Quem percebeu o perigo, há algumas semanas, foi o jornalista Stuart Jeffries, do The Guardian. Assustado com a avassaladora rapidez com que o mundo nos transforma em senhas e números, ele desfia um lamento atrás de outro contra a marcha vitoriosa da impessoalidade. Você pode pagar os impostos em dia, diz ele, mas se não tiver na mão seus oito cartões magnéticos ou não se lembrar das suas dez senhas, não é ninguém. Não recebe mensagens, não paga contas, não fala com os amigos.

A invasão é real. O mundo caminha para 1 bilhão de computadores em 2007. Cada vez mais crianças brincam na internet e jovens conversam no messenger. Assim como a cunha dos sumérios, a pena de Camões e a Parker 51 de Getúlio, também a esferográfica caminha para o anonimato. O teclado venceu. Levante a mão alguém que, nos últimos 20 dias - ou 20 meses? - recebeu uma carta, daquelas com selo e endereço escrito a mão, e correu os olhos por uma caligrafia incerta.