Título: Mesmo com toque de recolher, mais de 50 morrem no Iraque
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2006, Internacional, p. A10

Após um dia de calma, ataques de insurgentes e violência sectária aumentam o temor de uma guerra civil

Bagdá

Cerca de 60 pessoas foram mortas ontem no Iraque, apesar do aumento da segurança para conter a onda de violência sectária provocada pelo atentado de quarta-feira contra a Mesquita Dourada, em Samara, o quarto local mais sagrado do Iraque para os muçulmanos xiitas.

O ministro da Defesa do Iraque, Saadum al-Dulaimi, alertou ontem para uma "guerra civil" que "nunca terminará" e disse que está pronto para pôr os tanques nas ruas. A mais grave crise desde a invasão americana ao Iraque ameaça os planos de Washington de retirar seus 136 mil homens do país.

O ministro do Interior, Bayan Jabur, anunciou ontem a ampliação das estritas medidas de segurança e a proibição da circulação de automóveis pelas ruas de Bagdá até as 6 horas de amanhã. Em um discurso transmitido pela TV, Jabur disse que os automóveis não poderão entrar ou sair da capital e qualquer pessoa portando arma seria detida. O toque de recolher foi imposto inicialmente na noite de quinta-feira depois de dois dias de derramamento de sangue entre os muçulmanos xiitas e sunitas e, desde então, prorrogado.

O ministro da Defesa pediu calma à população e disse que eram exageradas as informações sobre o número de mortos. Segundo ele, 119 pessoas morreram na violência sectária após a destruição da Mesquita Dourada. Já a polícia de Bagdá disse que mais de 200 pessoas foram mortas.

Ontem, um carro-bomba matou 8 pessoas e feriu 31 na cidade sagrada xiita de Kerbala, 80 quilômetros ao sul de Bagdá. Um homem preso após a explosão disse à polícia que o alvo era a mesquita sagrada do imã Hussein, neto do profeta Maomé. Mas ele não conseguiu passar pelos bloqueios erguidos no início do mês para o festival religioso da Ashura (que lembra a morte do imã Hussein).

O homem estacionou o veículo em uma rua no norte da cidade, chamando a atenção de moradores. Quando um policial abriu o porta-malas para investigar o veículo explodiu. O homem foi preso ainda com o controle remoto nas mãos.

Perto de Baquba, em um reduto da insurgência sunita, homens armados invadiram a casa de uma família sunita e mataram 13 pessoas. As vítimas - três gerações da mesma família - eram todos homens com idades entre 20 e 70 anos, disse a polícia. Seguidores do clérigo radical xiita Muqtada al-Sadr disseram que seus milicianos estão preparados para defender o povo da Província de Diyala - em um sinal de que uma possível reação xiita deve ocorrer. Muitos xiitas temem que as forças de segurança iraquianas sejam incapazes de protegê-los.

A polícia iraquiana encontrou vários corpos - muitos amarrados e com vários tiros - em Bagdá e em outras áreas do país desde o atentado de quarta-feira contra a Mesquita Dourada. Pelo menos outras 21 pessoas foram mortas ontem em tiroteios e explosões de bomba em Bagdá e outras áreas, segundo a polícia e hospitais.

Ainda ontem, o chef e de polícia, major Falah al-Mohammedawi, disse às agências Reuters e Associated Press que os corpos de 14 policiais de elite foram encontrados em veículos incendiados perto de uma mesquita sunita no sudoeste de Bagdá. As circunstâncias de suas mortes não estavam claras.

Um tiroteio também ocorreu ontem durante o funeral da jornalista da TV Al-Arabiya Atwar Bahjat. Ela foi morta na quarta-feira com dois colegas de equipe enquanto cobria o atentando contra a mesquita em Samara. Quando as pessoas voltavam do cemitério, um carro-bomba explodiu atingindo a patrulha militar iraquiana que escoltava o funeral. Pelo menos dois soldados e um policial morreram. Seis pessoas, incluindo civis, ficaram feridas.

Na Cidade Sadr, um bairro xiita da periferia de Bagdá, três pessoas, entre elas uma criança, foram mortas e sete ficaram feridas quando dois foguetes atingiram várias casas.

O presidente americano, George W. Bush, conversou ontem por telefone com sete líderes políticos iraquianos em um esforço para conter a violência sectária, que pode prejudicar os planos de Washington de reduzir, ainda este ano, seu número de soldados no Iraque.

Após o telefonema de Bush, os principais líderes políticos se reuniram para discutir a formação de um novo governo ao mesmo tempo em que tentavam reduzir as tensões que provocaram o temor de uma guerra civil. As conversações, que incluíram o primeiro-ministro xiita, Ibrahim al-Jaafari, o presidente curdo, Jalal Talabani, e importantes políticos sunitas e seculares, ocorreram após um encontro entre líderes religiosos que prometeram acabar com a violência sectária.

Os políticos sunitas, que haviam suspendido sua participação nas negociações sobre a formação do novo governo, compareceram à reunião, assim como o embaixador americano, Zalmay Khalilzad. Os líderes políticos prometeram prosseguir com as negociações para formar um governo.