Título: "Cumpri a resolução, mas vamos preencher as vagas"
Autor: Denise Madueño
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2006, Nacional, p. A6

Desembargador diz que regra deve ser respeitada, mas aponta casos que, em sua opinião, são injustos e precisariam ser revistos

Estácio Luiz Gama de Lima, presidente do TJ de AlagoasEntrevistaEstado mais pobre do País - com indicadores sociais que beiram a indigência -, Alagoas viu ruir num golpe só a dinastia dos apadrinhados do Judiciário. Na classificação do nepotismo, Alagoas suplantava quase todas as outras regiões, ficando atrás apenas de Minas e Mato Grosso. Foram demitidos 202 servidores, todos eles parentes de juízes e desembargadores alagoanos em cargos de comissão. Integravam a elite do funcionalismo. Recebiam até R$ 5 mil e não se submetiam a relógio de ponto.

As exonerações obedecem à portaria 27, do presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Estácio Luiz Gama de Lima. Ele diz que é "um cabra que pensa em tudo".

A agonia da toga teve início em outubro, quando o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 7, que proíbe contratação de familiares de magistrados. O golpe derradeiro veio há duas semanas, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a competência do CNJ e derrubou 1.500 liminares que mantinham nos cargos os servidores admitidos pela porta dos fundos.

Estácio Gama, o chefe do Poder Judiciário alagoano, é magistrado com 30 anos de experiência, por isso conhecedor das minúcias e segredos de seu mundo. Achou por bem não afrontar a norma do CNJ e logo baixou a portaria que obrigou todos os contratados a se apresentarem à corte.

A busca começou dentro de casa mesmo. Elce Oliveira Tenório de Lima, mulher do presidente do TJ, ocupava posto de confiança no gabinete de outro desembargador havia 22 anos - desde quando Estácio Gama era ainda um juiz de primeira instância, servindo no agreste. Élcio Oliveira Tenório de Lima, filho do presidente, era o diretor-geral do TJ.

Os cargos dos Tenório de Lima, e todos os outros, estão vagos. Mas não foram nem serão extintos. "Eu entendo que tem de preencher", diz o desembargador. Na sua avaliação, não precisa de concurso. Basta que o escolhido não tenha laços familiares com juiz.

Caçula de 10 irmãos, filho e neto de desembargador, na quinta-feira em seu gabinete - de onde comanda a corte que tem outros 10 desembargadores, 130 juízes e 538 cargos de confiança -, Estácio Gama, de 63 anos, falou sobre nepotismo. À mesa, códigos, anotações à mão e a imagem de Nossa Senhora. A seguir, trechos da entrevista:

Fale da Resolução 7.

Tem de ser cumprida. Cito dois casos. Um desembargador, professor da universidade, nomeou um estudante, excelente assessor. Quando baixei a portaria o rapaz disse que é sobrinho do juiz fulano de tal. O desembargador não podia adivinhar. O outro caso é o de um jornalista, dos mais respeitados. Era meu diretor de Comunicação. O filho dele, brilhante, preparado, é assessor de um desembargador. Veja como é coração de pai. Ele pediu demissão em favor do filho. Essas coisas é que podem ser revistas, não é?

Como vê a atuação do CNJ?

Não sei se ele tem poder de verificar essas acusações que doem na gente, sobre a existência de cartéis. Se isso for verdade, é a desmoralização do Judiciário. Uma pessoa que é convidada para trabalhar no escritório de advocacia e esse escritório tem ligação com certo juiz, ou desembargador ou ministro, isso é advocacia administrativa. Isso é que pode levar à bancarrota do Judiciário. Ainda acredito no Judiciário. A reforma necessária mesmo é a dos códigos, acabar com o excesso de recursos. Reforma até para evitar uma coisa que se ouve falar muito, de cartéis de advocacia junto aos tribunais superiores. A gente ouve, mas quem prova? Quem é magistrado tem de ter honra, dignidade, honestidade.

A resistência é grande?

Na Constituição não havia proibição. O que não é proibido é permitido. Cargo de confiança é de confiança. Um parente que não tem nenhuma competência fica em casa, mas se tem competência... Hoje existe um dispositivo constitucional que proíbe. Tem de demitir. Aqui muitos tinham capacidade. Demiti até esses que não eram nem parentes da gente. Não tem para onde correr. Tem de preencher esses cargos. Por concurso? Cargo de comissão é de confiança.

Entre os demitidos havia gente com muitos anos de casa?

Eu era juiz em Arapiraca, antes da Constituição, e o desembargador José Agnaldo disse que estava precisando de uma pessoa que soubesse datilografia. Aí, uma festa em casa, uma cervejinha, ele diz: "E a Elce, não é datilógrafa? Eu estou precisando." E ela virou assessora dele, faz 22 anos. Tive de demitir a Elce também, assinei o ato. Não tem saída. A portaria 27 foi a pancada. É fazer cumprir. É uma meta do CNJ que a gente tem de respeitar.

O ministro do Supremo Marco Aurélio Mello afirmou que o CNJ não pode legislar.

O Legislativo perdeu muito. Antes, era decreto-lei. Acabaram com ele e fizeram a medida provisória. Alguém disse que (a Resolução 7) é a MP do Judiciário. Graças a Deus, o Supremo julgou logo. É tocar o bonde pra frente. Mas e os que têm concessão do serviço público, as empresas de rádio e TV? Já pensou a gente deixar de ver Regina Duarte com a filha na mesma emissora? Você acha que a Globo ia deixar? Fechava o Congresso.