Título: Deputados articulam para salvar nepotismo
Autor: Denise Madueño
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2006, Nacional, p. A6

Votação do projeto seria adiada, para fugir da pressão dos eleitores

Mal o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), anunciou a intenção de votar em março a proposta de emenda constitucional que acaba com o nepotismo no Congresso e as reações contrárias já começaram. Deputados de diferentes partidos trabalham para adiar a votação e evitar que a pressão da opinião pública em ano eleitoral leve à aprovação do projeto.

Há também quem já prepare propostas para alterar o projeto durante a votação, numa tentativa de tornar menos rígidas as regras que impediriam a contratação de parentes em cargos de confiança. "Todo deputado tem um parente. Temos de discutir como fazer essa triagem", diz o líder do PTB, José Múcio Monteiro (PE).

Múcio quer lançar uma proposta peculiar: "Temos de estabelecer uma regra ou criar cota de contratação (de familiares)." Ele afirma ser a favor da votação do projeto de forma "límpida, sem emoção e sem sensacionalismo" e recorre a um velho argumento para justificar o nepotismo. "Sou contra condenar um parente competente, porque tem político na família."

A proposta em debate, que espera votação pelo plenário da Câmara, prevê também o fim do nepotismo cruzado, modalidade na qual autoridades trocam nomeações. Além disso, combate o nepotismo terceirizado - prestadoras de serviço por meio de concessões não poderão ter entre os funcionários parentes da autoridade pública responsável pelo contrato.

PREFEITOS

O líder do PP, Mário Negromonte (BA), conta que já foi procurado por deputados preocupados com a votação. "Eles estão sugerindo que o projeto seja votado depois das eleições, porque é um tema polêmico", afirma.

Negromonte pretende reunir sua bancada depois do carnaval para discutir o assunto. Ele próprio, que contrata a cunhada com a verba de gabinete da Câmara, diz que, para ele, não há problema com o projeto: "Se for necessário, eu a demito."

Negromonte aponta, porém, outra dificuldade - prefeitos estariam preocupados com a limitação, já que o projeto proíbe a contratação de parentes no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, nos níveis federal, estadual e municipal. "Os prefeitos vão reclamar e cobrar dos deputados uma posição contrária."

Adiar a votação para depois das eleições é a forma de fugir da pressão do eleitorado e da opinião pública. Essa é a avaliação do líder do PL, Luciano Castro (RR), e do vice-líder do PFL, Pauderney Avelino (AM). "Se a opinião pública fizer pressão, o projeto será aprovado", crê Pauderney, favorável à mudança.

"Votar já é a única chance de aprovar a proposta. Depois das eleições, ficará difícil", considera Castro, que também defende a votação em março. "Já rompemos com outras culturas, poderemos romper com essa."

O líder do PL reconhece que há resistências dos parlamentares e afirma que será necessário negociar muito. Para ele, seria mais fácil se a proposta restringisse apenas a contratação de parentes de primeiro grau.

"O PL defenderia isso e ficaria contra o nepotismo", afirma Castro. No passado, a mulher dele trabalhava no gabinete. Depois da separação, Maria Helena (PSB-RR) disputou as eleições e virou deputada.

'INJUSTIÇA'

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), defende a proibição da contratação de parentes, mesmo que isso resulte em injustiças. Um exemplo de "injustiça" citado por ele é a exploração política do fato de sua mulher ter trabalhado com o então deputado Paulo Bernardo (PT-PR), atual ministro do Planejamento, quando Berzoini ocupava o Ministério do Trabalho. "Ela já trabalhava com ele antes de eu ser ministro."

Segundo Berzoini, 100% da bancada do PT apóia o fim do nepotismo. No PSDB, a recomendação para a bancada, segundo o líder Jutahy Júnior (BA), será a de votar a favor da mudança.