Título: O Bolsa-Banco
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2006, Notas e Informações, p. A3

"E u duvido que desde o dia em que o Brasil foi descoberto teve algum governo que cuidou mais dos pobres da Bahia do que nós", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visita, terça-feira, a Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), onde, em dois discursos, citou 12 vezes a senha mágica de sua campanha à reeleição: "pobres". Por mais empenho que a atual administração federal tenha feito, de fato, para apoiar o argumento presidencial com estatísticas, quis a sempre irônica deusa da História mimoseá-lo com algo bem menos confortável de admitir, pelo menos publicamente para o eleitorado, especialmente os segmentos menos abonados da população, ao qual o candidato se dirige prioritariamente. "Nunca antes", para usar a alocução com que sempre anuncia um grande feito, os banqueiros, tão satanizados em palanques de esquerda, se deram tão bem na História da República.

É que na quinta-feira foi dada com destaque a informação de que, nos 3 anos da atual gestão federal petista, as 5 maiores instituições bancárias do País tiveram ganho 28% superior ao que auferiram nos 8 anos de Fernando Henrique e do economista "neoliberal" Pedro Malan. Esse não é, na certa, um troféu a exibir à "galera", como têm sido o pagamento da dívida com o FMI, o aumento do salário mínimo, os milhões de famílias carentes incorporadas ao Bolsa-Família ou mesmo a controvertida operação "tapa-buracos". Trata-se de um recorde no mínimo constrangedor, como reconheceu o senador petista light Tião Vianna (AC), sempre leal ao governo, que chamou os banqueiros de "agiotas" e confessou ter "um sentimento crítico e inconformado quanto ao lucro dos bancos".

Esse sentimento pode desalojar a lucratividade do sistema financeiro do ufanismo palanqueiro em prol da reeleição de Lula, ao lado, por exemplo, da possibilidade de descontar no Imposto de Renda a contribuição previdenciária dos empregados domésticos. Mas não ajuda em nada a explicar por que a execrada especulação financeira, monstro preferencial a ser imolado na fogueira socialista, tenha engordado seus haveres em 30% em média em 2005, sem ter produzido um parafuso (a metáfora é aqui tomada de empréstimo de velhos manifestos do PT pré-delubiano), mais de dez vezes superior ao pífio crescimento de 2,3% do PIB.

O contraste desse frustrante acréscimo à produção nacional, muito inferior à média global de 4%, e mais ainda à dos maiores emergentes, que cresceram 6%, fica mais constrangedor por desmascarar a mistificação demagógica e falaciosa de quem malha os Judas da roleta financeira nos palanques, enquanto os ceva na calada da noite entre um pregão e outro. O recorde de enriquecimento das instituições financeiras sob a gestão pública de seus maiores detratores é a prova definitiva de que ele não resulta da ganância doentia dos banqueiros, vilões da indignação populista. É o resultado natural de um sistema perverso mantido pelo Estado estróina para garantir sua capacidade de se financiar, absorvendo os recursos produzidos pela sociedade, apoderando-se da parte do leão e lhe jogando as migalhas de banquetes em que os banqueiros são convidados de honra da "companheirada".

Da mesma forma como o lucro de R$ 3 bilhões da maior empresa bancária brasileira, o Banco do Brasil, estatal, a ampliação de 80,2%, a maior da história no setor bancário em toda a América Latina, obtida pelo maior banco privado nacional, o Bradesco, está longe de ser "moral, ética e justa", como definiu seu presidente, Márcio Cipriani. Pois o sistema, chamado pelo líder do PFL no Senado, José Agripino Maia, de "bumerangue" e conseqüência da "excessiva" emissão de títulos públicos pelo governo para se financiar no mercado financeiro, contraria a moral, a ética e a justiça do sistema capitalista, uma vez que não premia os mais competentes nem envolve risco de nenhuma das partes. Nessa contrafação de capitalismo, no qual o governo se dá ao luxo de gastar sem limite nenhum para sustentar uma máquina pública ineficiente e voraz e os banqueiros não precisam conquistar clientes privados, pois o Estado lhes garante o Paraíso na terra, a especulação, que Lula e o PT têm o desplante de execrar nos palanques, recebe tratamento de gênero de primeira necessidade.