Título: Juros - ousadia com responsabilidade
Autor: André Franco Montoro Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

Os superelevados juros praticados no Brasil constituem-se, provavelmente, no mais criticado aspecto da política econômica. Inspirado em Chico Buarque, poderia dizer que os juros são a Geni de nossa economia. E existem razões para tal. Com juros elevados, os investimentos são reduzidos. Com poucos investimentos, o crescimento econômico fica prejudicado e poucos empregos são gerados. O desemprego aumenta com todas as suas mazelas sociais, entre as quais destaca-se o aumento da violência. Com fraco crescimento econômico, a arrecadação tributária não cresce e começam a faltar recursos para os programas sociais exatamente quando eles se tornam mais necessários.

Apesar das críticas generalizadas, o Banco Central, mais especificamente o Comitê de Política Monetária (Copom), permanece com sua política de juros "indecentes". A razão alegada para esta postura é cumprir a meta inflacionária. Como, argumentam eles, o único instrumento disponível para atingir a meta inflacionária são os juros, eles precisam permanecer elevados. Isso porque a política fiscal no Brasil prejudica o combate à inflação. Assim, os altos juros são, em grande parte, conseqüência do desajuste fiscal do setor público brasileiro. Como não é possível aumentar a arrecadação de impostos e contribuições, que já está beirando os 40% do produto interno bruto (PIB), os elevados e crescentes gastos públicos são apontados como a principal causa do desequilíbrio fiscal e, portanto, responsáveis pelos altos juros. Logo, para que os juros baixem, é preciso cortar gastos.

Em linhas gerais, esta explicação é compartilhada por um grande número de conceituados economistas brasileiros. Ocorre, entretanto, que existe uma enorme dificuldade de reduzir os gastos públicos. Assim, as taxas de juros permanecem excessivamente altas e, quando as reduzem, o fazem a passos de cágado.

Para enfrentar tal desafio, proponho a seguinte estratégia. Primeiro: promover uma abrupta e forte redução nas taxas de juros, de 5 a 6 pontos porcentuais, o que vai reduzir as despesas financeiras do governo. Segundo: garantir que as despesas não-financeiras não serão aumentadas por causa dessa redução. Ou seja, os gastos totais do setor público serão efetivamente reduzidos, mas os gastos não financeiros não precisarão ser diminuídos.

Quais são os efeitos previsíveis dessas medidas? A redução nas taxas de juros estimulará os investimentos. O aumento dos investimentos impulsionará a demanda agregada por bens e serviços e este aumento pode representar uma pressão inflacionária. Como é reconhecido que a reação (elasticidade) dos investimentos em relação aos juros não é muito alta, a redução destes não deverá ocasionar um grande crescimento da demanda agregada, mas certamente haverá um efeito expansionista. Efeito similar ocorre com o consumo de bens duráveis, que é levemente estimulado pela queda dos juros Selic. Aí que entra a segunda perna da proposta: não gastar a redução dos gastos com juros.

Vamos quantificar. Em 2005 o setor público pagou R$ 157,1 bilhões de juros. Supondo uma redução de 30% nos juros, isto é, de 17,25% para 12%, a conta de juros se reduziria em R$ 47,1 bilhões. O déficit público, que hoje é de R$ 63,6 bilhões (3,2% do PIB), se reduziria para R$ 16,5 bilhões (0,8% do PIB). Este é um forte aperto fiscal, que implicará redução da demanda por bens e serviços, contrabalançando, ao menos parcialmente, mas de forma expressiva, o aumento gerado por maiores investimentos. No fim das contas, não se deve esperar um impacto expansionista sobre a demanda capaz de ameaçar o cumprimento da meta inflacionária. O que se observará será uma transferência de renda dos rentistas para os investidores.

Outro efeito previsível da redução de juros é sobre o mercado cambial. Esta forte redução dos juros não afugentaria os investidores estrangeiros, provocando uma fuga de capitais e crise cambial? Certamente, não. Com juros nominais de 12% e expectativa de inflação de 4,5%, os juros reais esperados seriam de 7,5%, ainda dos maiores no mundo e mais, extremamente atrativos, tendo em vista a forte queda do risco Brasil. Afastado o risco de crise cambial, não haveria outros efeitos sobre o câmbio? Provavelmente, sim. A queda dos juros poderia provocar uma desvalorização do real que, pelas mesmas razões apontadas acima, não deverá ser muito forte. Como se supõe que o real hoje esteja bastante valorizado, esta eventual desvalorização seria até bem-vinda.

O Brasil não suporta mais juros tão elevados. Alguma coisa precisa ser feita. A proposta apresentada expressa ousadia com responsabilidade.