Título: Magistrados são contra os sem-terra?
Autor: Roldão Arruda e Mônica Bernardes
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2006, Nacional, p. A16
ATAQUE:* Jaime Amorin Na opinião do líder do MST Jaime Amorim, que já teve a prisão preventiva decretada 7 vezes e responde a 25 processos, o Judiciário pernambucano é subserviente ao latifúndio e procura criminalizar o movimento. O objetivo seria indispor os sem-terra com a sociedade e impedir a reforma agrária.
Quais os problemas que o senhor aponta no Judiciário, quando se trata de julgar ações envolvendo os interesses do MST?
A falta de compreensão e os altos índices de subserviência dos juízes aos latifundiários. Há uma visão generalizada de que o movimento é baderneiro, de que é preciso criminalizar nossas ações. Isso é quase uma regra. Infelizmente, há municípios em que, seja qual for o teor da ação, sabemos que será desfavorável para nós.
Por que haveria essa ênfase na criminalização?
Tentam nos empurrar para a ilegalidade. A burguesia tem como objetivo desmobilizar a luta pela reforma agrária e o isolar o MST da sociedade.
Como viu a decretação de sua prisão preventiva dias atrás?
Incomoda porque não estou fazendo nada para ser tratado dessa forma, como um marginal. Mas sei que é praxe no Judiciário encontrar alguém para responsabilizar e, como sou coordenador estadual, é natural que seja mais visado.
Não é a primeira vez que o senhor enfrenta problemas com a Justiça.
Respondo a cerca de 25 processos. Nos últimos cinco anos, tive a prisão decretada em sete ocasiões. Na maioria das vezes a revogação foi rápida graças à atuação de nossos advogados e à pressão da sociedade.
Acha a situação em Pernambuco diferente da de outros Estados?Em Pernambuco há uma fortíssima tradição escravocrata, que vem da época da monocultura canavieira. O apego aos valores desse período ainda corre nas veias dos representantes da burguesia oriunda desse setor. Infelizmente, muitos dos filhos e netos da cana-de-açúcar hoje são juízes e desembargadores.
*Líder do MST em Pernambuco
DEFESA:* Sebastião Amorin O presidente da Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis), desembargador Sebastião Amorim, considera injustas as críticas dos sem-terra aos juízes de primeira instância. Para ele, embora sofram pressões intensas, as decisões desses juízes são claramente baseadas nas normas legais.
O senhor concorda com a crítica de que os juízes não levam em conta aspectos sociais quando julgam as ações dos sem-terra?
A questão social é importante, mas não se pode tomar decisões contra a lei, incisiva quando se trata de invasão de terra.
Na primeira instância, os juízes estariam mais sujeitos a pressões?
Não são as pressões sociais que definem o rumo da Justiça, mas a letra da lei. Os juízes de primeira instância estão bem mais próximos dos conflitos, com as questões expostas abertamente a seus olhos. Sofrem as pressões do meio e estão sujeitos a influências como qualquer um. Mas, na essência, a decisão deles é baseada na lei.
Acha que alguns juízes tem predisposição contra o MST?
É compreensível que, por diferenças de temperamento, o grau de intensidade de uma sentença varie diante de uma mesma situação, ou que um juiz seja mais ou menos acre. Mas é bom lembrar que cada juiz sabe que terá conseqüencias se errar. Ele tem uma carreira pela frente e sabe que a decisão será reavaliada em instância superior.
Ocorrem muitos erros, como afirmam os líderes dos sem-terra?
É bom lembrar que em qualquer situação existe a possibilidade de recorrer a uma instância superior. Os tribunais existem para temperar as decisões. Enquanto o juiz de primeira instância decide ali, no calor, os tribunais têm a possibilidade de decidir a frio.
Acha que existe um propósito deliberado de criminalizar o MST e isiolá-lo da sociedade?
Se o MST agir conforme a lei, dificilmente algum juiz tomará decisão imprópria ou contrária a seus interesses.
*Desembargador e presidente da Apamagis