Título: MST elege juízes de 1ª instância como inimigos da reforma agrária
Autor: Roldão Arruda e Mônica Bernardes
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2006, Nacional, p. A16

Insatisfeito com o andamento da reforma agrária, o Movimento dos Sem-Terra (MST) está intensificando suas críticas ao Poder Judiciário. De acordo com a organização, determinados juízes, especialmente os de primeira instância, perseguem seus líderes e atrasam o andamento da reforma.

No Pontal do Paranapanema, interior de São Paulo, um dos principais líderes da organização, José Rainha, disse ontem que "setores do Judiciário estão sob a influência do latifúndio reacionário" e "tomam decisões à revelia da lei". Rainha está recorrendo em liberdade contra sentença que o condenou a dez anos de prisão. "Recebo tratamento de bandido perigoso."

Quase ao mesmo tempo, em Altinho (PE), outro líder dos sem-terra, Jaime Amorim, disse, após uma discussão com oficiais de Justiça e policiais encarregados de cumprir uma ordem de reintegração de posse, que "o Judiciário tenta o tempo todo impedir a desapropriação de terras".

As críticas miram sobretudo os juízes de primeira instância. Expõem de maneira clara o conflito que se trava no interior, em pequenas cidades, onde os juízes tomam decisões entre o fogo cerrado dos sem-terra, que promovem invasões para pressionar o governo a agilizar a reforma; dos proprietários, que alegam usurpação do direito de propriedade; e das organizações não-governamentais envolvidas com a questão.

EPICENTRO

O juiz Antonio Carlos dos Santos, de 43 anos, viveu dias atrás a experiência de ficar dias no epicentro do conflito. Atuando como substituto na Comarca de Gameleira (PE), ele decretou a prisão preventiva de Amorim e outros quatro líderes, acusando-os de "promover invasões não pacíficas de terras, danificar patrimônio privado, incendiar veículos e plantações".

Foi o sétimo pedido de prisão preventiva de Amorim, que desapareceu antes que as autoridades o localizassem, ao mesmo tempo que se organizava uma onda de protestos contra a decisão de Santos. Uma das vozes que se ergueram contra o pedido de prisão foi a do titular da Promotoria Agrária de Pernambuco, Edson Guerra, segundo o qual muitos juízes do Estado "insistem em ignorar a questão do uso social da terra".

Surpreso com a repercussão do caso, Santos declarou que o "MST é protegido pela sociedade". Dias depois, uma juíza suspendeu a prisão.

Para o vice-presidente do Instituto Paulista de Magistrados, Jaime de Oliveira, as tensões enfrentadas pelos juízes em casos de invasões não estão ligadas apenas a aspectos jurídicos. "Por estarem próximos do conflito, estão mais sujeitos às influências do meio", diz ele. "O que complica esse debate é o seu uso político. O Executivo usa o Judiciário para justificar sua incompetência. O governo fala muito, mas não tem plano definido, não negocia com o Legislativo a criação de leis adequadas para o assunto, enfim, não faz nada."

No Paraná, o juiz Leonardo Ribas Tavares conta que o período em que atuou na região de Quedas do Iguaçu, entre 2003 e 2004, foi um dos mais tensos de sua carreira. "Fui hostilizado e várias vezes tive de entrar escoltado no fórum", relata. O juiz chegou a decretar a prisão de líderes do MST, mas tarde revogada pelo Superior Tribunal de Justiça. "É um juiz sem sensibilidade social", acusa Andréia Rochi, advogada da Rede Nacional de Advogados Populares.