Título: Anvisa pode proibir anfetaminas
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2006, Vida&, p. A23

Diante da vergonhosa marca de maior consumidor de anfetaminas do mundo e das críticas feitas por especialistas à fiscalização, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou ontem a intenção de adotar duas medidas: informatizar o controle das receitas médicas e promover uma discussão sobre o uso da anfetamina no País.

Esta última pode resultar na proibição da prescrição. "A proibição é um desfecho possível. Mas, antes de ser adotada, precisa ser amplamente discutida", afirmou o presidente da Anvisa, Dirceu Raposo de Melo. Ele estima que as primeiras reuniões comecem em março.

Relatório da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), ligada às Nações Unidas, demonstra que o consumo per capita do Brasil aumentou de forma significativa, para 9,1 doses diárias por mil habitantes, o contrário do que acontece em países ricos. Estimulante, a anfetamina é indicada por alguns médicos para reduzir o apetite.

Por causa dos sérios efeitos colaterais - insônia, depressão, síndrome do pânico -, a droga, entre especialistas, foi substituída por medicamentos mais modernos. A venda do medicamento no Brasil é feita, em teoria, de forma controlada. Todos os médicos teriam de fazer uma receita à parte, que fica retida para controle das vigilâncias.

Valendo-se da falta de fiscalização, médicos receitam a droga de forma indiscriminada para quem está apenas alguns quilos acima do peso. "Vi um médico que fez mais de 9 mil indicações num ano", disse o professor Elisaldo Carlini, membro da junta.

O presidente da Anvisa afirmou que o sistema de controle de receitas será informatizado, o que pode garantir maior agilidade para descobrir abusos. "Não posso dizer que o sistema hoje é obsoleto. Mas ele dificulta a análise dos dados."

EXCESSO EM ANTIDEPRESSIVO

Ontem, em Brasília, Carlini divulgou dados do relatório anual do Jife. Além do problema das anfetaminas, ele observou que, no Brasil há uma prescrição excessiva de antidepressivos. "Mas com uma finalidade totalmente desvirtuada, como moderador de apetite", disse. Segundo ele, o antidepressivo fluoxetina já é o medicamento mais vendido em farmácias magistrais de Ribeirão Preto e Florianópolis. "Eles são enfiados goela abaixo de pacientes, sem que eles saibam qual o risco a que estão sendo submetidos", disse.

O professor não poupou críticas à classe médica e também à fiscalização. "As normas existentes para prescrição das drogas e seu uso estão aí, são boas. Mas a fiscalização deixa a desejar."

O relatório também chama a atenção para o aumento da produção de maconha no Norte e Nordeste, e pelo fato de o País ser um território de intenso trânsito de drogas. "Acabamos nos transformando num mercado relativamente grande de consumo", admitiu o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, Jorge Armando Félix.