Título: Lá se vai mais uma fatia
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

Segunda-feira, enquanto os brasileiros refestelavam-se nos folguedos de carnaval, os Estados Unidos e a Colômbia anunciaram acordo comercial que vai tirar negócio e investimento do Brasil.

Até agora, o governo Lula esnobou a idéia de liberação comercial no âmbito da Alca, sob a alegação de que não há acordo enquanto os Estados Unidos não derrubarem seus subsídios agrícolas. O governo americano contra-argumenta que não é possível tirar subsídio só de produtos comercializáveis na Alca. Por isso, insiste em que este é assunto a ser negociado no atacado, na OMC. A proposta da Alca foi para a geladeira, onde ficará sabe-se lá até quando.

Já que Brasil e Venezuela não se interessaram pelo acesso ao maior mercado do mundo, de US$ 1,5 trilhão por ano, os Estados Unidos trataram de amarrar acordos comerciais no seu quintal. O México e o Canadá estão no Nafta desde 1994. Chile, Caribe, América Central, Peru e agora a Colômbia já fecharam os seus. Seguem as tratativas para o acordo com o Equador.

O acordo entre Estados Unidos e Colômbia consumiu dois anos de duras negociações e ainda depende de aprovação pelos Congressos dos dois países. Quando entrar em vigor, as tarifas de importação de 82% dos produtos cairão imediatamente a zero. Outros 7% serão zerados em cinco anos. Em dez anos, todo o comércio entre ambos estará liberado. A Colômbia aceitou uma cota de exportação de 50 mil toneladas anuais de açúcar depois de ter reivindicado 1 milhão de toneladas.

Os Estados Unidos arrebatarão o mercado colombiano das carnes (de vaca, porco e frango), produtos agrícolas e importantes segmentos de manufaturados, como máquinas, computadores e telefones celulares.

No ano passado, as exportações dos Estados Unidos para a Colômbia foram de US$ 5,4 bilhões e da Colômbia para os Estados Unidos, de US$ 8,9 bilhões. (Só para comparar, também no ano passado, os Estados Unidos exportaram US$ 12,9 bilhões para o Brasil, que exportou US$ 22,7 bilhões para lá.)

Os porta-vozes do Itamaraty, que se orgulham de ter tirado a Alca de pauta e, assim, de terem resistido à maior competição com produtores estrangeiros no mercado interno, têm recebido cada novo acordo bilateral entre países americanos e os Estados Unidos com desqualificações. Insistem em que são resultados inexpressivos. Desta vez, preferiram o silêncio.

Seja como for, de grão em grão o sistema produtivo brasileiro, por medo da concorrência externa, perde preferência comercial para seus vizinhos.

O maior risco para a indústria brasileira não é mais a perda de mercado interno para o produto importado; é perda de fatias do mercado externo. Não é só a China e a Coréia que comem mercado das exportações brasileiras. Cada acordo desses alija o produto brasileiro do mercado das partes que liberalizam mutuamente seu comércio.

As perdas potenciais não se limitam ao fluxo de mercadorias. Se um país passa a ter acesso preferencial ao mercado americano (e vice-versa), os negócios ganham segurança e os investimentos tendem a buscar as novas oportunidades.

Por que uma grande corporação canalizaria seus investimentos ao Brasil se poderá exportar da Colômbia (ou do Chile) para os Estados Unidos com isenção alfandegária? Ou seja, a cada acordo, há desvio de comércio exterior e perdem-se investimentos e emprego.

Os sindicatos e as grandes empresas dos Estados Unidos resistem a cada abertura comercial a ponto de mobilizarem seus lobbies contra a aprovação de tratados assim pelo Congresso americano. Isso mostra que eles é que têm o que perder.

Durante anos, o Brasil jogou na retranca por temer o estrago que o produto agrícola americano pudesse provocar sobre o sistema produtivo local. A balança comercial de fevereiro mostrou que nem o dólar a R$ 2,11 está tirando a força das exportações brasileiras. Mas o Itamaraty teme a concorrência do produto industrial americano, que está sendo deslocado pelo sul-africano, pelo australiano, pelo mexicano e, claro, também pelo asiático.