Título: Crescimento e o papel do Estado
Autor: Dionísio Dias Carneiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

O crescimento de 2,3% do produto interno bruto (PIB) em 2005 atrapalha Lula. Depois de reconquistar o apoio dos seus eleitores tradicionais, gostaria de mostrar que cumpriu a promessa de entregar um crescimento maior do que o de seu antecessor. Não conseguiu. Nem por isso a tarefa da oposição ficou mais fácil. Os empresários ainda têm expectativa de que algum candidato ofereça um caminho para o crescimento nos próximos anos superior ao dos últimos dez anos. A solução envolve o que se deve esperar do Estado.

A expansão do PIB relativa ao mesmo trimestre do ano anterior seguia a dinâmica do PIB industrial: vinha em desaceleração desde o pico de 5,29%, atingido no terceiro trimestre de 2004, até 0,74%, no terceiro trimestre de 2005. A recuperação do fim do ano, de 1,34%, é fraca e ganha conteúdo político. A partir de setembro, quando a política de limitar os danos isolou o presidente dos erros "humanos" de seus auxiliares e correligionários, os resultados distributivos ajudaram a recuperar o apoio ao governo. A pressão interna sobre a política macroeconômica passou a ser dirigida para abrir espaço para os gastos visíveis, que atingiam o bolso dos eleitores, e não para os 50 projetos coordenados pelo antigo ministro-chefe da Casa Civil, que não geraram votos. Se houvesse uma recuperação maior do PIB, ganharia fôlego o prestígio de Lula entre os empresários, em plena celebração de seu favoritismo nas pesquisas.

O resultado é que a oposição tem a seu favor a impaciência com a política macroeconômica de curto prazo. O endividamento das famílias permitiu o crescimento dos gastos privados de consumo; a maior facilidade de financiamento externo e a valorização do real facilitaram o aumento dos gastos de capital. Mas fica difícil o presidente escrever uma nova Carta aos Brasileiros prometendo mais do mesmo. Seu eleitorado tradicional beneficiou-se das transferências, mas estas oneram o crescimento da oferta e não conquistam os empresários, que sofreram com a inoperância do governo em áreas que afetam o investimento.

A demanda está em crescimento, mas a continuidade da queda de juros, a ampliação do crédito doméstico e o prolongamento da fase de expansão cíclica da economia internacional não garantem que uma nova capacidade produtiva seja criada. Todos os candidatos gostariam de trazer de volta os anos dourados do crescimento econômico do pós-guerra à grande inflação. Como o próximo governo pode tornar crível que suas promessas de maior crescimento não sejam apenas um retorno ao estatismo do passado?

A fonte das ilusões, em todos os partidos, é o diagnóstico de que tanto Lula quanto FHC "escolheram crescer menos, conferindo maior importância à inflação". De tão repetida, essa falsidade induz à idéia de que há um menu disponível de trajetórias de crescimento e inflação, e que basta o presidente ordenar mais despesa ao Tesouro e mais crédito barato ao Banco Central, uma idéia dos anos 50 e 60 que a macroeconomia dos últimos 30 anos mostrou estar superada. Os governos, todos os dias, influenciam as decisões privadas que determinam a capacidade produtiva a longo prazo; mas estas são pouco afetadas pelo que ocorre num trimestre. Aumentar a poupança e o investimento produtivo não gera jingles de campanha.

Há, assim, um hiato entre o que os candidatos buscam e o que precisam fazer para estimular a geração de valor, que ocorre no setor privado e não no Estado. E falta compreensão sobre os papéis que cabem ao Estado: construir um ambiente em que os ordenamentos e as restrições institucionais estimulem a criatividade e a iniciativa; promover um sistema tributário favorável à transformação de idéias e de tecnologia em emprego produtivo; estimular a poupança de longo prazo e seu uso produtivo, deixando baixas a volatilidade da inflação e a vulnerabilidade do emprego. O primeiro papel é simbólico nas economias de mercado, que precisam da ordem econômica para prosperar. O segundo sinaliza estímulos reais para a expansão da oferta. O terceiro papel anuncia um imaginário sobre o futuro, capaz de integrar os planos de consumo das famílias e de investimentos produtivos das empresas em horizontes temporais que ultrapassem os ritmos das flutuações de curto prazo, sobre as quais as políticas de demanda podem influir. Retomarei este tema no próximo artigo.