Título: Descentralização da Febem
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Há um ano, o governador Geraldo Alckmin decidiu vencer a resistência dos prefeitos do interior contrários à construção de unidades da Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem). No auge de mais uma série de motins e fugas - nos três primeiros meses de 2005 fugiram da instituição 880 jovens -, lançou, em março, um novo pacote de velhas medidas para controlar a crise. A descentralização dos complexos instalados na capital - anunciada seis anos antes pelo seu antecessor, Mário Covas, e nunca realizada - ressurgiu como ação principal do governo na recuperação da Febem.

Alckmin se comprometeu a construir 41 novas unidades em 9 municípios do interior, com 1.640 vagas e, para contornar a oposição dos prefeitos que se negavam a ceder áreas municipais para as novas unidades, o governador assegurou que ergueria os prédios em terrenos estaduais. Um ano depois, continua enfrentando protestos, como o realizado há dias na divisa de Osasco e Cotia, e a meta de descentralizar o Complexo Tatuapé está longe de ser atingida.

O uso de terras pertencentes ao Estado não foi possível por causa da dificuldade de encontrar áreas públicas em condições ideais para aquele tipo de construção. Por isso, dois meses depois de anunciar as construções no interior, para não permitir que o projeto de descentralização sofresse desaceleração por conta da resistência dos prefeitos, Alckmin anunciou a construção de um prédio de médio porte na capital. Isso só fortaleceu os prefeitos. Em julho, metade dos municípios que deveriam abrigar novas unidades não havia definido os terrenos que seriam cedidos ao Estado.

Alckmin resolveu, então, abrir, em julho, licitação para a construção de dois prédios na capital, em Itaquera e Vila Leopoldina, com 150 vagas cada, o que provocou protestos do Ministério Público Estadual e das entidades de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, que não admitem unidades para mais de 40 internos. Os moradores de Itaquera e Vila Leopoldina também se opuseram ao projeto.

Há semanas, moradores de Osasco e Cotia, liderados por políticos locais e organizações não-governamentais, protestaram contra a decisão do governo de erguer outras duas unidades da Fundação nas margens da Rodovia Raposo Tavares que, entre o km 19,5 e o 21, já abriga dois Centros de Detenção Provisória, uma penitenciária feminina e um complexo da própria Febem. Estão ali 3.026 presos e 500 jovens reeducandos. Em momentos de rebeliões e fugas, a tensão de uma unidade contagia as demais e a região sofre com a insegurança.

A iniciativa de erguer mais dois prédios onde já há concentração de unidades prisionais destoa do discurso da descentralização defendido pelo governo estadual. As autoridades parecem preferir sacrificar a capital e a região metropolitana, que, tradicionalmente, concentraram o maior número de unidades do sistema prisional, a enfrentar a resistência dos prefeitos, que acusam o governador de querer transferir para suas pacatas cidades uma bomba-relógio.

Mas essa bomba foi armada com ampla participação de cidades do interior. Um terço dos internos da Febem não é da Grande São Paulo, mas de municípios do interior, cujas prefeituras têm a obrigação de dividir a responsabilidade pela reeducação dos jovens com o governo estadual.

"Vocês não têm a menor idéia do que estamos enfrentando para definir as áreas onde deverão ser construídas as novas unidades", reclamou a presidente da Febem, Berenice Gianella, em entrevista ao Estado.

Se em sete anos não conseguiu convencer os prefeitos da necessidade de arcarem com suas responsabilidades, definindo as áreas para a construção de novas unidades da Febem, é tempo de mudar de atitude. Se não pode obter os terrenos dos municípios, adquira-os de particulares nos locais mais propícios àquele tipo de construção. Não há mais tempo a perder. Quando o plano de descentralização foi anunciado, a Febem tinha apenas 2 mil internos e 40 unidades no interior seriam suficientes para extinguir os complexos da capital. Hoje são 6 mil.