Título: Fotografia digital, a revolução
Autor: Daniel Hessel Teich
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2006, Economia & Negócios, p. B10

Avanço nas vendas das câmeras digitais fecha fábricas e vai mandar para os museus as máquinas analógicas

De tempos em tempos, uma revolução brutal chacoalha o mundo dos negócios, em que as empresas se adaptam ou morrem. Foi o que aconteceu quando o automóvel deixou à míngua os fabricantes de carruagem ou quando o telefone avançou sobre o telégrafo. É exatamente o que acontece hoje na área de fotografia convencional, uma indústria que é capaz de produzir 75 bilhões de cópias de fotografias por ano a partir de 2,9 bilhões de rolos de filme. O avanço acelerado das câmeras digitais promete sepultar de vez essa indústria centenária.

Os efeitos da virada digital são dramáticos. Em primeiro lugar, pela velocidade em que ela ocorre. Há menos de cinco anos, o Brasil tinha cinco fábricas de filmes e papel fotográfico - uma da Konica, duas da Fuji e duas da Kodak. Hoje, restam apenas duas: uma da Fuji e outra da Kodak, ambas em Manaus. Na semana passada, a Fuji, anunciou em Tóquio que demitiria mil funcionários no Japão, fase final de um processo de encolhimento que fechará 5 mil vagas em todo o mundo.

Na conta foram incluídos os demitidos nas linhas de produção desativadas em Caçapava, interior de São Paulo. A gigante japonesa tem enfrentado queda na lucratividade - 18% entre janeiro e setembro do ano passado - num momento em que é preciso cada vez mais investimentos e inovações para sustentar as novas tecnologias.

"O grande problema está de fato nas fábricas", diz Flávio Takeda, gerente de Marketing da Fuji no Brasil. "Quando fechamos a fábrica em Caçapava, levamos quatro meses só para desmontar uma das máquinas para poder levá-la para Manaus. Na Fuji, pensava-se e realizavam-se mudanças em ciclos de quatro anos, em média. Com a fotografia digital, esse prazo caiu para menos de seis meses", diz Takeda.

Empresas com décadas de tradição no ramo fotográfico, como a Nikon e a Minolta, anunciaram há menos de um mês que não produzirão mais máquinas analógicas. Um ícone da fotografia, a alemã Leica, a preferida de fotógrafos legendários como Henri Cartier-Bresson e Robert Capa, tem derrapado violentamente em sua luta pela sobrevivência. Apenas no primeiro semestre do ano passado, as vendas das máquinas que já foram consideradas as Ferrari da fotografia caíram 55%. A empresa só conseguiu crescer 6% no período graças a sua divisão de produtos óticos como binóculos e lunetas.

A americana Kodak, a maior potência do ramo fotográfico no mundo, divulgou seus resultados na terça-feira, em que foram contabilizados prejuízos por cinco trimestres consecutivos e uma perda total de US$ 1,4 bilhão sobre um faturamento de US$ 14,3 bilhões em 2005. O presidente mundial da empresa, Antonio Perez, anunciou ainda aos investidores que em 2006 o rombo deve ficar entre US$ 900 milhões e US$ 1,1 bilhão. A situação só não é mais dramática porque a Kodak tem se saído relativamente bem no processo de transição.

No ano passado, o faturamento dos negócios digitais da empresa aumentou 40%. A Kodak é líder no mercado de câmeras digitais nos Estados Unidos e ocupa a terceira posição no resto do mundo. Sua estratégia tem sido implementar pesadamente negócios paralelos à fotografia, como a divisão de produtos para a indústria gráfica e a de imagens digitais para o setor de saúde, pela qual fornece sistemas computadorizados para substituir o velho raio X.

"Vivemos um momento de ruptura total e temos de atuar em uma ambiente de negócio completamente diferente do que conhecíamos até hoje", diz Sérgio Falcon, presidente da empresa no Brasil.

No País, o mercado de filmes fotográficos tem encolhido ao ritmo de 10% ao ano. É bem menos que os 25% nos países desenvolvidos, mas mesmo assim é um ritmo bem maior do que imaginado pelas empresas de fotografia. Quando as câmeras digitais começaram a aparecer nos países ricos, acreditou-se que os países em desenvolvimento ainda consumiriam as tecnologias mais antigas por anos a fio.

Não foi o que aconteceu. "A câmera digital já está chegando à classe C, e a tendência é se popularizar cada vez mais em decorrência da queda nos preços das máquinas e da venda por crediário", diz Fernando Bautista, diretor geral da divisão de fotografia da Kodak no Brasil. "O brasileiro é apaixonado por tecnologia e pelo status que esse tipo de produto traz, coisa que não é comum em outros países", avalia ele.

A principal promessa para as empresas, pelo menos no curto e médio prazos, é a área de impressão de fotos. Todas elas vêem nesse segmento sua tábua de salvação, já que manteria a venda de minilabs para ampliação de fotos digitas e matérias-primas para serem usadas no processo. "Apesar da queda no consumo de filmes, a venda de papel fotográfico tem se mantido estável no Brasil", diz Flávio Takeda, gerente de Marketing da Fuji. Ou seja, as pessoas ainda querem as fotos impressas para guardar, mesmo que o volume seja bem menor do que no passado.

Mas as empresas precisam ser agressivas para alcançar esse objetivo. A exemplo de outros lugares do mundo, a tendência é de queda na venda de papel fotográfico com o avanço da imagem digital.

Pelos dados da Kodak, o brasileiro consome em média quatro rolos de filme por ano, o que significa uma média de 120 fotos processadas e ampliadas em papel. Com a câmera digital, esse comportamento muda. Um dono de câmera digital tira e salva em computador ou CD cerca de 480 fotos por ano. Só que imprime menos de 10% desse volume, ou seja, a indústria perde 108 cópias per capita por ano com a conversão digital. A estratégia é estimular o aumento nas impressões.

Essa é a grande preocupação do varejo. A Fotoptica, uma das grandes redes de ótica e processamento fotográfico do País, com 77 lojas em quatro Estados, deu uma guinada radical em sua operação nos últimos dois anos. Foram investidos mais de R$ 2,5 milhões em equipamentos, para que a empresa se preparasse para o processamento digital. Na compra de cada câmera digital em suas lojas, a empresa oferece um bônus de 200 cópias em papel grátis. "É uma forma de acostumar as pessoas a usarem esse serviço", diz o presidente da empresa, Fernando Janikian.