Título: Sérios defeitos do Super-Simples
Autor: Mailson da Nóbrega *
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2006, Economia & Negócios, p. B9

É difícil criticar o Super-Simples, que goza de amplo apoio. É encantadora a idéia de um regime único de arrecadação de impostos e contribuições da União, dos Estados e dos municípios para facilitar a vida de milhares de microempresas e empresas de pequeno porte afogadas no mar caótico do sistema tributário.

O Super-Simples lembra o imposto único, uma idéia pobre, sem sentido e sem futuro, mas que, como toda utopia, conquistou mentes e continua a alimentar sonhos.

Todos sentem que, diferentemente do imposto único, o Super-Simples está prestes a se tornar lei.

Além do mais, virá acompanhado do Cadastro Nacional Único, que simplificará tremendamente o processo de abertura dessas empresas.

O Super-Simples reduzirá os brutais custos de transação (aqui chamados de burocracia) causados por nosso sistema tributário sobre uma parte substancial das empresas, que por isso preferem a economia informal.

Com a novidade, elas tenderão a se legalizar, pois os riscos da sonegação superarão os seus benefícios.

Acontece que as desvantagens suplantam os méritos. Antes de apontar os seus defeitos mais graves, vale dizer que o Super-Simples se encaixa como uma luva na frase do jornalista americano H. L. Menken (1880-1956), para quem ¿há sempre uma solução bem conhecida para qualquer problema humano ¿ simples, plausível e errada¿. Muitos preferem uma variante surgida após a morte de Menckel, segundo a qual ¿para qualquer problema existe uma solução simples e geralmente errada¿.

O primeiro defeito do Super-Simples é constituir uma proposta para combater os sintomas de uma doença grave em vez de atacar suas causas.

O sistema tributário continuará tão ruim quanto agora. Apenas uma parte dos contribuintes ficará imunizada contra o vírus da peste tributária ¿ as microempresas e as de pequeno porte ¿ mediante uma redoma que pode isolá-los do mundo das exportações ¿ que tende a crescer mais rapidamente do que a própria economia nos próximos anos ¿ e retirar-lhes o incentivo para crescer, investir e inovar. Em ambos os casos, a economia perderá no longo prazo.

O segundo defeito está, pois, na área do comércio exterior. Os exportadores pagarão mais caro para comprar das empresas do Super-Simples. Isso porque este será um imposto em cascata que não gerará crédito para utilização nas etapas seguintes da produção. Logo, as empresas exportadoras não terão como reaver os tributos indiretos incidentes nas respectivas compras. Assim, ou buscarão adquirir seus insumos de outras empresas ¿ o que alijará as do Super-Simples desse mercado ¿ ou terão seus custos aumentados, o que significará menos competitividade e menos exportações.

O terceiro defeito é inibir o crescimento das empresas do Super-Simples. Se crescerem, sairão da redoma e ingressarão no mundo contaminado do sistema tributário, o que as assustará. Por isso, não haverá incentivos ao investimento nem à adoção de métodos mais modernos de gestão, que podem conduzir naturalmente ao crescimento.

Infelizmente, o Super-Simples aparece como a melhor solução diante da conhecida dificuldade de realizar ampla reforma do sistema tributário, a qual depende de medidas estruturais e complexas para reduzir a enormidade dos gastos obrigatórios e a rigidez orçamentária. Como se sabe, poderosos grupos de interesse se opõem a essa redução.

O nosso sistema tributário é enviesado contra as exportações, seja porque há tributos indiretos que não podem ser exonerados nas vendas externas, seja porque os exportadores enfrentam grandes dificuldades de receber ou aproveitar os créditos acumulados. O Super-Simples vai piorar essa situação.

As correntes de comércio exterior têm se ampliado mais velozmente com a globalização. É crucial para o Brasil envolver-se cada vez mais nessa atividade, sob pena de ficar para trás e sem jamais esquecer que a maior integração aos fluxos internacionais de comércio pressupõe um regime tributário compatível com o padrão mundial. No caso do consumo, esse padrão é o imposto sobre o valor agregado (IVA), adotado por 130 países. É por aí que deveremos caminhar, o que requer ou a criação do IVA ou medidas para que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) se aproximem do padrão.

Não há lugar, em um mundo competitivo, para jabuticabas como o Super-Simples. É preciso meditar o mínimo sobre a proposta.