Título: Por que Hélio Costa quer o padrão japonês
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2006, Economia & Negócios, p. A8

Por mais respeito e boa vontade que possamos ter com um ministro de Estado, nossa paciência tem limite. Exemplo perfeito dessa situação é o que acontece com o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Na terça-feira, ele declarou que o padrão japonês de TV digital é o melhor para o Brasil, e anunciou triunfante: ¿A bola está na marca do pênalti. Está tudo pronto e preparado para que o presidente Lula faça um gol de placa¿.

Mas admitiu que o presidente poderia fazer um golzinho pífio, com a bola entrando bem devagar. Ou ainda pior: chutar a bola fora. No dia seguinte, retificou, dizendo que poria a bola a dois metros do gol, contrariando as regras, para que o presidente não pudesse errar. ¿Assim, não tem jeito de chutar fora.¿ Eu não sabia que Lula era tão perna-de-pau.

Embora admitindo não ser responsável pela escolha do sistema brasileiro de televisão digital (SBTVD), Hélio Costa convida publicamente o presidente Lula a bater o martelo (ou o pênalti) em favor do padrão japonês. Esse é o auto-retrato do ministro Hélio Costa. Num ano de eleições, ele quer mostrar serviço, exibindo pelo menos duas realizações: a TV digital e o seu telefone ¿social¿. Mas ainda falta muita coisa para o final dessa novela. Só houve até aqui um encontro dos representantes dos três padrões internacionais com o governo. A discussão no Congresso está apenas começando. As comissões competentes ainda fazem a avaliação de alternativas. O CPqD tem prazo até o dia 10 para enviar seu relatório sobre os desenvolvimentos brasileiros

INTERESSE PESSOAL

Mas o ministro tem pressa. Mesmo que deixe o ministério em março, quer garantir a inauguração da TV digital em 7 de setembro, quando a campanha sucessória estará no auge. Nessa corrida, atropela o processo e constrange autoridades e a própria oposição. Não percebe que a TV digital é hoje uma questão de Estado. E não de governo. Nem, muito menos, de pessoas.

Hélio Costa está, na verdade, defendendo seu interesse eleitoral, ao proclamar sua preferência pelo padrão japonês, o mesmo padrão tantas vezes defendido pela emissora em que trabalhou ¿ e cujo apoio e simpatia sonha obter para sua candidatura ao governo de Minas.

Ninguém duvida da qualidade do padrão japonês de TV digital. Mas, se a vitória for antecipada pelo ministro, que vantagens poderá o Brasil pleitear nas negociações finais? É claro que a Globo e outras redes de TV têm o direito de defender ou fazer lobby por um ou outro padrão, por serem parte interessada na adoção da nova tecnologia. Mas o ministro não pode fazer lobby. Tem que ser totalmente neutro e isento. É um problema ético.

LA DONNA È MOBILE

Ao longo dos sete meses em que ocupa o cargo, Hélio Costa tem mudado de opinião ao sabor de suas conveniências. Discorre de forma doutoral sobre o que não entende. Esquece hoje o que disse ontem, como o apoio público que deu às pesquisas e desenvolvimentos brasileiros, já concluídos ou ainda em curso, por 22 consórcios.

Sem dominar a questão regulatória, ele faz as mais duras acusações à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ridiculariza até suas decisões mais corretas. Assume atitude populista diante de tarifas e preços de assinaturas de telefone fixo. Mal assessorado, chegou a interferir no processo de renovação dos contratos de concessão, tentando incluir cláusulas de último minuto. Não aceita o fato universal da convergência tecnológica. Estimula a controvérsia e acirra os ânimos entre a radiodifusão e as telecomunicações, em vez de harmonizar os dois setores.

O CAMINHO

O Brasil precisa definir sua estratégia de implantação da TV digital, com urgência. Mas sem açodamento ou atropelo. O único critério que deve prevalecer sobre todos os demais na escolha do sistema é o interesse do cidadão ¿ como usuário e consumidor. Ou, por outras palavras, o interesse da sociedade.

Nessa perspectiva, o sistema precisa assegurar: 1) os menores preços possíveis aos produtos de TV digital, para atender à maioria da população; 2) imagem de alta definição; 3) mobilidade; 4) multiprogramação; 5) tecnologia de modulação que garanta sinal estável e robusto; 6) máxima compatibilidade com o resto do mundo.

Do ponto de vista industrial e tecnológico, o Brasil não pode adquirir uma caixa-preta. O sistema terá, obrigatoriamente, que ser complementado e aprimorado com a contribuição brasileira, incorporando, a qualquer tempo, desenvolvimentos essenciais, como o middleware (ponte entre o sistema e os aplicativos), terminal de acesso de baixo custo, caixas de conversão sempre mais modernas e mais baratas, novos padrões e ferramentas de software.

Sempre pensei, ingenuamente, que o cargo de ministro de Estado deveria ser ocupado por pessoas competentes, com um mínimo de familiaridade com os problemas de seu setor e, acima de tudo, com independência e ética. No caso do ministro das Comunicações, Hélio Costa, estava totalmente equivocado, a começar da primeira coluna em que lhe sugeri atender às 10 prioridades do setor, em julho de 2005. Seus objetivos e compromissos nada têm a ver com aquelas prioridades.