Título: TV digital produz racha no governo
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2006, Economia & Negócios, p. A8

Padrão europeu conquista Casa Civil e Fazenda, mas Hélio Costa, aliado às grandes emissoras, defende o Japão

Quatro ministros terão de chegar a um acordo durante a semana para apresentar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na sexta-feira, um relatório sobre qual é a melhor alternativa estrangeira para a televisão digital brasileira. Hélio Costa, à frente das Comunicações, tem defendido em todas as oportunidades o padrão japonês ISDB, o preferido de grandes emissoras de televisão, como a Rede Globo e o SBT. Os outros três - Dilma Rousseff (Casa Civil), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e Antonio Palocci (Fazenda) - não têm se manifestado em público sobre o assunto, mas, de forma reservada mostram que o que pensam é bastante diferente da visão de Hélio Costa. Encontram-se sob análise, além do ISDB, o europeu DVB e o americano ATSC.

Na Casa Civil, a proposta européia foi considerada mais completa que a japonesa. A avaliação, até o momento, é que as ofertas feitas pelos dois grupos, no que diz respeito ao financiamento e à redução de royalties, são equivalentes, mas que os europeus se comprometeram mais com novos investimentos, abertura de seus padrões e participação de brasileiros na evolução da tecnologia.

O Ministério do Desenvolvimento espera que os americanos, que voltam a visitar o Brasil na terça-feira, melhorem sua oferta. O ministro Furlan analisa qual das opções ajudaria mais a aumentar as exportações de televisores e celulares do País. Sob esse ponto de vista, o padrão japonês é o menos atraente, pois só é usado no Japão. A Europa acenou com alíquota zero para televisores produzidos pelo Mercosul e os Estados Unidos não têm indústria local de televisores. A maioria dos aparelhos é produzida no México, que já optou pelo americano ATSC. Na visão dos americanos, se o Brasil adotasse o ATSC, este seria o padrão de todas as Américas.

A Fazenda vê com bons olhos a adoção do padrão europeu, incorporando resultados de trabalhos dos grupos de pesquisa do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). A medida seria um incentivo à inovação, integrando a comunidade brasileira de pesquisa ao desenvolvimento de tecnologias globais.

A TV digital trará imagens e som melhores que os atuais, a possibilidade de transmitir vários programas ao mesmo tempo num só canal e serviços interativos, como os da internet. Durante um período de transição, que deve durar 15 anos, cada emissora transmitirá dois sinais, um analógico e outro digital, para ninguém ser obrigado a investir em equipamento logo de saída. Quem quiser aproveitar as vantagens, terá de trocar o televisor ou comprar um conversor, caixinha que permite receber o sinal digital nas televisões analógicas. O mercado brasileiro de TV digital deve movimentar cerca de US$ 100 bilhões em 10 anos.

RELATÓRIOS

Apesar de a data de entrega do relatório ao presidente estar marcada para sexta-feira, Lula estará viajando. Ou seja, a decisão deve levar pelo menos alguns dias. Também será entregue, no mesmo dia, um relatório assinado pelo Centro de Pesquisas em Telecomunicações (CPqD), que pertenceu à Telebrás, consolidando o trabalho feito no ano passado pelos grupos brasileiros de pesquisa, no âmbito do SBTVD. Os pesquisadores trabalharam com padrões internacionais para desenvolver sistemas que fossem mais adequados à realidade brasileira. Oficialmente, o relatório do CPqD será entregue somente na sexta-feira, mas, de acordo com alguns pesquisadores, ele é mais favorável à tecnologia européia que a japonesa.

Apesar de o governo estar polarizado entre japoneses e europeus, o padrão americano foi descartado somente pelo Ministério das Comunicações. A tecnologia americana ainda não permite transmitir o sinal de televisão para celulares, uma exigência das emissoras brasileiras de TV. Eles prometem, porém, uma solução em meados deste ano. Fora das Comunicações, predomina a visão de que as diferenças tecnológicas são passageiras, e que questões como comércio exterior, atração de investimentos e incentivo à inovação são mais importantes no momento.

Hélio Costa é acionista de uma rádio em Barbacena (MG), sua cidade natal, e antes de ingressar na política, foi repórter do programa Fantástico e chefe da sucursal da Rede Globo nos EUA. Sua visão está alinhada à das grandes emissoras de televisão. Quando voltar de sua viagem à África, no dia 13, Lula terá em suas mãos uma decisão difícil: tratar de uma questão politicamente sensível como a televisão num ano eleitoral. Precisará de coragem, caso decida contrariar os interesses das grandes emissoras.