Título: Falta gente para o Brasil virar Índia e exportar mais tecnologia
Autor: Patrícia Campos Mello, Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2006, Economia & Negócios, p. B5

Setor precisa de 60 mil profissionais para chegar a US$ 5 bilhões em vendas de software e serviços até 2010

Procuram-se 60 mil profissionais bons de matemática, que gostem de computadores e realmente saibam falar inglês. Se o Brasil conseguir achar essa mão-de-obra que está em falta, pode se tornar um grande centro de exportação de software e serviços, seguindo os passos da Índia. A exportação desse setor pode saltar dos atuais US$ 300 milhões para US$ 5 bilhões em 2010.

Mas, por enquanto, está difícil. A falta de profissionais qualificados está emperrando o crescimento do setor de exportação de tecnologia no Brasil. Quem não sabe inglês corre o risco até de não entender no que está trabalhando, já que o setor chama terceirização de outsourcing e exportação de serviços de offshoring.

A Politec, que fatura R$ 500 milhões e foi citada como uma das empresas brasileiras emergentes pela revista Business Week, está com 100 vagas não preenchidas porque não acha candidatos qualificados. "Nosso maior empecilho estratégico no Brasil é arrumar gente", diz Flávio Marques, diretor-executivo da Politec.

Formar uma equipe para atender aos clientes no exterior é dificílimo. A equipe AMC da Politec presta serviços de sustentação de sistema (toda manutenção e melhorias do sistema de informática) para uma empresa de tecnologia dos Estados Unidos, que fatura US$ 18 bilhões e tem 160 mil funcionários. Os oito funcionários brasileiros substituíram 20 americanos e custam 35% menos.

São profissionais como o coordenador de projetos Frank Chu Yiu Kwong, de 27 anos, que estudou computação e administração e fala inglês e cantonês, e o analista de sistemas Gianfranco Rossi, de 26 anos, que domina inglês, italiano, espanhol e francês. O expediente da equipe foi mudado para se adaptar melhor ao fuso horário dos EUA - vai das 9h30 às 18h30 (o resto da empresa trabalha das 8h30 às 17h30). Sempre alguém fica com o pager 24 horas.

Todos os oito funcionários só podem falar inglês entre si, o dia inteiro. "All communication must be done in English beyond this point", lê-se nas placas afixadas na entrada da área onde trabalham. Ou seja, "a partir daqui, toda comunicação deve ser em inglês".

Quem deixa escapar alguma frase ou e-mail em português, leva multa de R$ 0,50. As multas são depositadas dentro de uma caixa de papelão e servem para bancar os happy-hours da equipe. "Que são em português", esclarece o gerente Alair Ribeiro.

A concorrência para ganhar esses grandes contratos, de US$ 5 milhões por ano, é acirrada. A Politec concorreu com 18 empresas, muitas indianas e chinesas, para ganhar a concorrência nos EUA. Na Índia, além de todos falarem inglês, os salários são muito mais baixos. O preço da hora de serviço na Índia é US$ 9 (o custo dele é US$ 5). No Brasil, fica entre US$ 12 e US$ 13. Aqui, os funcionários ganham R$ 5 mil. Na Índia, R$ 1,5 mil e nos EUA, US$ 7 mil.

Hoje a Politec fatura R$ 500 milhões - dos quais US$ 2,5 milhões (cerca de R$ 6 milhões) são de exportações . "Para crescer, precisamos achar mais gente qualificada, mas está difícil", diz Marques. Para ficar perto da mão-de-obra qualificada, a empresa abriu centros em cidades como Taquaritinga, em São Paulo, e Campina Grande, na Paraíba, que formam muitos profissionais de computação.

"Os profissionais brasileiros têm o problema da língua, mas têm outros pontos positivos: são muito flexíveis, trabalham bem em ambiente instável e têm iniciativa", diz Cássio Dreyfus, vice-presidente de Pesquisa do Gartner. "Muitos estrangeiros não têm essa criatividade."

Ele aponta outras barreiras para o crescimento das exportações de software e serviços do Brasil. A carga tributária, muito superior à de outros países, também prejudica a competitividade brasileira. "E a nossa legislação trabalhista, feita para operário da década de 30, não funciona para empregados de tecnologia do século 21."

A qualidade da mão-de-obra brasileira está atraindo empresas indianas, como a Satyam, e mexicanas, como a Softtek, para o País. "O perfil dos profissionais de TI no Brasil é fantástico", diz Miguel Saldiva, diretor de Serviços de Outsourcing da Softtek. A empresa têm 700 funcionários no Brasil, só quatro mexicanos. Daqui, a empresa exporta serviços para os Estados Unidos e a Europa. "A qualificação técnica é muito boa aqui, mas falta falar a língua inglesa de forma correta", diz Saldiva. "No México, o governo está fazendo um forte investimento para a população falar inglês."

A subsidiária brasileira da EDS planeja contratar mais de 1,5 mil pessoas no ano, a maioria para atender a clientes no exterior. A companhia fechou 2005 com cerca de 6,8 mil funcionários. Na área de infra-estrutura, eram 300 pessoas prestando o serviços como seguranças de redes, monitoração de servidores e suporte técnico.

A expectativa é multiplicar a equipe pelo menos por três. Em desenvolvimento de software, eram 800 profissionais. Para o fim do ano, a empresa pretende chegar a 1,5 mil ou 2 mil.

A TCS do Brasil, da indiana Tata, tinha cerca de 220 funcionários em março de 2005, quando encerrou o último ano fiscal. Espera chegar a 600 no mês que vem e a 1,5 mil até o fim do ano. "A exportação já corresponde a de 8% a 10% do faturamento, mesmo sem fazer parte da estratégia", afirmou Sérgio Rodrigues, presidente da TCS do Brasil. "Fomos totalmente reativos. Em 2 ou 3 anos, a exportação pode chegar a 25% do faturamento."