Título: Devagar também é pressa
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

A cada mexida nos juros determinada pelo Copom não basta perguntar pelos efeitos sobre o comportamento da economia. É preciso examinar como está avançando a carruagem.

Mais fácil é enxergar o lado ruim. Mas, tentando ver pelo lado positivo, essa queda de apenas 0,75 ponto porcentual, para 16,5% ao ano, reflete mais do que puramente o conservadorismo habitual da maioria dos dirigentes do Banco Central, como denunciam as queixas de sempre. Aponta para a manutenção desses cortes por mais tempo. Se a tesourada tivesse sido maior, como pediram três entre nove votos, seria necessário perguntar se não estaria chamando por reduções de juros menores ou, até mesmo, para alguma pausa no processo de ajuste, dentro de alguns meses.

A maioria das críticas à condução da política dos juros pelo Banco Central tem como foco a dosagem correta, que ninguém sabe qual é, nem eles lá dentro, já que os votos não convergem. O argumento é o de que, no ano passado, o Copom poderia ter usado toda a margem de escape que lhe confere o sistema de metas para fixar juros mais baixos. Nesse caso, a inflação de 2005 poderia ter chegado a 7,0% (4,5% mais os 2,5% de margem de tolerância), em vez dos 5,7% em que acabou encalhando. Enfim, em vez de aceitar a inflação mais alta tolerada, o Banco Central tratou de apontar para o centro da meta e isso custou sacrifício demais à sociedade.

Mesmo admitindo que o Banco Central tenha sido excessivamente conservador, como costuma ser, é improvável que, para a meta assim ajustada, pudesse ter feito um corte superior a 2 pontos porcentuais, ou seja, de juros máximos de 17,75% (de maio até setembro de 2005), do que os 19,75% ao ano em que ficaram ao longo desses meses.

Ainda assim, se a diferença fosse apenas essa, quanto de crescimento econômico em 2005, além dos medíocres 2,3%, poderia ter garantido caso os juros tivessem ficado 2 pontos porcentuais mais baixos? Provavelmente não mais do que 0,5 ponto porcentual e, nesse caso, teríamos um avanço do PIB de não mais do que 2,8% no ano passado. Ou seja, mesmo se o Banco Central tivesse sido mais corajoso no corte dos juros, o crescimento do PIB continuaria sendo pouco entusiasmante.

Mas há outros pontos de exame. Um deles é o do avanço já obtido. Não é nada, os juros básicos já estão a 16,50% ao ano, nível em que se encontravam em fevereiro do 2004, sem a carga inflacionária que existia então. De todo modo, depois de seis meses de juros mais baixos, o corte já é de 3,25 pontos porcentuais, o que não é pouco.

É provável que, em junho, já terão recuado a 15,0%, com a vantagem de contar com uma inflação mais ou menos dentro da meta. Em fevereiro de 2004, os juros externos (determinados pelo Fed, o banco central dos Estados Unidos) eram de apenas 1,0% ao ano. Hoje estão nos 4,5% e até final de junho deverão estar em 5,0%.Ou seja, em fevereiro de 2004, a diferença linear entre juros internos e externos era de 15,5 pontos porcentuais. Em junho deste ano deverão estar significativamente mais baixos, ou seja, em 10 pontos porcentuais.

Dá para concluir que a simples redução dessa diferença derruba a possibilidade dos ganhos especulativos nas operações de arbitragem (tomada de empréstimos em dólares, com juros mais baixos, para aplicação em reais, com juros mais altos), levando-se em conta que o especulador ainda tem de correr o risco do câmbio.

No mais, o próprio presidente do Banco Central tem dito que os juros que mais impacto exercem sobre a economia não são os de curto prazo definidos pelo Copom, mas são os de médio e longo prazo fixados pelo mercado. E o que dá para dizer é que os juros assim fixados estão apontando decididamente para baixo.

A carruagem é lenta demais. Quem olha o lado cheio do copo pela metade talvez possa repetir um velho ditado: devagar também é pressa.