Título: OMC - um mundo de equilíbrios
Autor: Abram Szajman
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

A Organização Mundial do Comércio (OMC) passa por um momento difícil. A Rodada de Doha, que deveria haver terminado em 2004, permanece inconclusa e corre o risco de se complicar ainda mais em 2006. A reunião ministerial de Hong Kong por pouco não fracassou. Um mês depois, os principais protagonistas não conseguiram, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, acordar formas de avançar sobre os compromissos firmados. Continua faltando uma determinante: a vontade política, cuja presença ou ausência selará o futuro das negociações neste ano.

Na verdade, a reunião de Hong Kong foi "salva" nos últimos minutos e por acordos que apenas homologaram compromissos existentes. Os compromissos sobre o algodão ou sobre o fim dos subsídios à exportação agrícola, por exemplo, já são, por várias razões, realidade nos Estados Unidos e na União Européia. Já os benefícios ali concedidos aos países mais pobres do planeta talvez nem superem o custo de organização da reunião de Hong Kong.

Países como o Brasil têm feito um grande esforço de abertura e internacionalização nos últimos 15 anos. A economia se abriu, o investimento direto estrangeiro entrou, as empresas brasileiras começaram, timidamente, a se internacionalizar - para dentro e para fora. Mas o mundo muda a uma velocidade cada vez maior. As relações econômicas acompanham o dinamismo das mudanças e os novos desafios exigem definições à altura.

Nesse processo o País mais reage do que age. Falta-lhe a capacidade de antecipar conjunturas e repensar estruturas. Estamos, por vezes, à deriva. Trabalhamos muito e buscamos melhoras, mas nem sempre conseguimos obter os resultados esperados. Há barreiras internas importantes ao nosso desenvolvimento. Na frente externa, precisamos estar atentos e buscar uma integração efetiva com a economia mundial. Não há tempo a perder: quanto mais tardamos nossas definições, mais nossos principais concorrentes ocupam espaço no mercado internacional.

O dinamismo da economia mundial, os riscos e oportunidades que se apresentam rotineiramente, as práticas desleais de comércio e um regionalismo apressado e discriminatório são os grandes desafios que enfrentamos na busca de nossa inserção internacional. Neste mundo imprevisível e fugaz, a disciplina nas relações econômicas e comerciais é um imperativo. Regras devem existir e ser realistas e equilibradas para que haja interesse coletivo em cumpri-las.

Disputas ocorrerão e as soluções dependerão de um sistema forte, previsível e percebido por todos como legítimo e eficaz. Assimetrias existirão, mas a eqüidade nas relações dependerá da capacidade do sistema de restaurar equilíbrios, por exemplo, entre o protecionismo e a competitividade no setor agrícola mundial.

A reunião de Hong Kong foi capaz de manter o sistema nos trilhos - ainda que o destino seja incerto. Pairam grandes ameaças sobre a chamada Agenda de Doha para o Desenvolvimento. Se considerarmos apenas o calendário político dos principais protagonistas do comércio - dentre os quais o próprio Brasil -, veremos que a janela de oportunidades se resume a alguns meses. Divergências deverão ser superadas em tempo recorde, de forma a evitar que as negociações percam relevância em face das urgências eleitorais internas que despontam no horizonte. Não será fácil transformar, no curto prazo, as discórdias de longa data em acordos aceitáveis para todos os países participantes.

A OMC não é perfeita, mas é indispensável. Constitui ao mesmo tempo uma primeira instância para aqueles que querem acabar com os grandes desequilíbrios do comércio e um último recurso para aqueles que não logram resolver suas controvérsias comerciais "fora do tribunal". Devemos - como país, empresariado, sociedade - prestigiar o sistema, aprofundando nosso conhecimento de suas regras e seus princípios.

A Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio) está engajada neste esforço nacional e tem apoiado um número importante de iniciativas referentes ao comércio internacional e à OMC, dentre as quais se destaca o Diálogo Serviços - um fórum de discussão, reflexão e posicionamento aberto a todas as instituições e empresas de serviços que queiram tratar bem de perto a internacionalização de nossa economia em geral e as negociações comerciais internacionais em particular.

O Brasil não pode deixar de fazer a sua parte.