Título: 'Independência ou soberba do BC?'
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2006, Economia & Negócios, p. B4

O setor produtivo criticou duramente o conservadorismo do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que reduziu em 0,75 ponto porcentual a taxa básica de juros (Selic). Para o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, a decisão reafirma a total independência do Comitê, que "não se preocupa com a ridícula taxa de crescimento que o País apresenta".

Segundo ele, o BC está alheio a opinião dominante no governo, não se importa com o ritmo comportado da inflação, sente-se livre dos princípios que regem a lógica e despreza as considerações críticas do setor produtivo. "A verdade é que se torna difícil classificar essa atitude: será independência ou soberba?", pergunta Skaf.

Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), diz que a indústria se frustrou mais uma vez . Segundo ele, a expectativa era de corte superior a um ponto porcentual. "Há espaço para um corte maior. Eu reduziria em 1,5 ponto porcentual, mas o Banco Central vem se mostrando, mais uma vez, extremamente conservador".

Para Monteiro Neto, a atual situação da economia não justifica a manutenção de juros reais básicos tão elevados, acima de 11% ao ano. Ele argumenta que o risco país vem recuando expressivamente, as pressões inflacionárias estão sob controle e a atividade econômica apenas esboça reação.

"A decisão emite sinais preocupantes sobre a trajetória futura dos juros, com impacto negativo sobre a confiança dos agentes e as decisões de investimento das empresas", diz.

De acordo com Newton de Mello, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), o corte foi "medíocre" e o nível elevado dos juros continuará a pressionar o câmbio, que tira competitividade do produto brasileiro no exterior, além de estimular a substituição de produtos nacionais por importados. "A queda foi medíocre e não terá qualquer impacto positivo no setor produtivo."

Já Boris Tabacof, diretor do Departamento de Economia do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), afirma que o setor produtivo mantém a esperança de que o País alcançará uma taxa real de juros civilizada até o fim do ano. "A redução da Selic, embora tímida, amplia a convicção de um cenário favorável ao investimento e às decisões de negócios, principalmente no segundo semestre de 2006, o que será importante para definir de que maneira o País caminhará em 2007".

Tabacof acredita no cumprimento da meta de inflação neste ano, uma vez que não há fatores que apontam para pressões sobre os preços livres e monitorados. "Vamos torcer para que o Copom continue baixando os juros e acreditando que o País pode crescer acima de 3,5% ou 4%, sem problemas inflacionários"

O corte de 0,75 ponto porcentual também foi considerado tímido por representantes do comércio. Para eles, existem condições reais, como inflação sobre controle e atividade em desaceleração, para redução maior. "Ficamos, mais uma vez, decepcionados", afirmou o presidente da Associação Comercial de São Paulo, Guilherme Afif Domingos. Segundo ele, o desejo não é o abandono do combate à inflação, mas que não se percam as oportunidades para redução maior no juro.

Para o presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), Abram Szajman, o corte deveria ter sido de pelo menos 1 ponto porcentual. Na opinião do empresário, não é compreensível nem razoável que a taxa real de juros continue no mesmo nível da época em que o dólar estava em R$ 3 e o risco Brasil era dez vezes maior. "Parece que tudo muda, menos o conservadorismo do Copom."

José Arthur Assunção, vice-presidente da Acrefi, entidade que reúne as financeiras, apóia a decisão do Copom. Ele considera que não é hora para ser mais agressivo no corte dos juros, especialmente quando as taxas estão subindo no mundo.