Título: Fábrica é 'pedra de toque' de escolha
Autor: Renato Cruz e Ana Paula Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2006, Economia & Negócios, p. B10

A instalação de uma fábrica de semicondutores no Brasil passou a ser condição básica para a escolha do padrão de TV digital. "A pedra de toque da discussão é a fábrica de semicondutores", disse ontem a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, durante reunião com entidades da sociedade civil para tratar do assunto. Ela explicou que o governo vai aproveitar as discussões para criar as bases de uma nova indústria no País. "É a nossa Volta Redonda", comparou, conforme relato de um dos participantes.

A produção de aço em Volta Redonda foi o ponto de partida para a industrialização do País a partir dos anos 50 e 60, principalmente a instalação das montadoras no Brasil. Da mesma forma, a fábrica de semicondutores é vista no governo como condição para promover um salto tecnológico na indústria brasileira. Por isso, essa é uma prioridade da política industrial.

Foi a partir da fabricação de semicondutores que Taiwan se transformou de produtora de arroz e abacaxi em "tigre" asiático, exportador de produtos de alta tecnologia. O governo tem afirmado nas reuniões que não pretende apenas que o País seja uma base de montagem desses produtos, mas quer a efetiva transferência de tecnologia.

Os japoneses já apresentaram um estudo garantindo a viabilidade técnica de instalar uma indústria de semicondutores no Brasil. Também europeus e americanos ficaram de estudar propostas nesse sentido, mas os japoneses se adiantaram mais. Os americanos se mostraram os mais reticentes. O governo aguarda respostas para decidir, segundo se informava ontem no Palácio do Planalto e em vários ministérios.

A escolha deverá ocorrer logo. Dilma descartou a possibilidade de adiá-la para 2007, como pediram as entidades da sociedade civil. Amanhã, os ministérios envolvidos devem entregar ao Planalto seus pareceres sobre qual o padrão mais vantajoso para o Brasil. Do ponto de vista técnico, leva vantagem o japonês. Pelo lado comercial, o europeu oferece maior potencial de exportação. Pelo lado político, há a pressão das emissoras de TV - apoiadas pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa - pelo padrão japonês. Tudo isso e mais as chances de instalação da fábrica de semicondutores serão analisados amanhã, mas não necessariamente haverá uma decisão.

"A ministra desmente que haja definição em relação ao padrão e diz que em 10 de março não haverá definição nesse sentido, mas no máximo uma sinalização da política industrial de que o País precisa", relatou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que esteve ontem com os representantes das entidades civis na reunião com Dilma. A ministra também recebeu Hélio Costa e técnicos do Ministério das Comunicações para nova rodada de avaliações.

INVESTIMENTOS

Na sexta-feira, uma delegação de 20 japoneses esteve no Palácio do Planalto para discutir oficialmente a questão. Os japoneses sinalizaram com o propósito de construir a fábrica, mas o chefe do Departamento de Tecnologia e Radiodifusão do Ministério dos Negócios Interiores e Comunicações do Japão, Okubo Akira, disse que a instalação dependeria da demanda, tanto do mercado brasileiro quanto do internacional. Há uma tentativa de que pelo menos os países do Mercosul acompanhem a escolha brasileira, o que daria ganho de escala na venda dos componentes. Na terça-feira, o assunto foi tratado com o secretário de Comunicação do Ministério do Planejamento da Argentina, Guilherme Moreno.

O Brasil importa hoje a maioria das peças necessárias à montagem de televisores. No caso dos televisores com telas de cristal líquido, as importações alcançam cerca de 85% de componentes. O peso da política industrial na decisão é uma vitória do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan.

As discussões sobre a escolha da TV digital no governo vinham sendo conduzidas pelo Ministério das Comunicações e caminhavam para a escolha do padrão japonês. Furlan argumentou com Dilma que o Brasil precisava buscar outras vantagens ao tomar sua decisão. A partir daí, as discussões passaram a ser centralizadas na Casa Civil e outros ministérios passaram a participar.