Título: 'O que está em discussão é o modelo de negócio'
Autor: Renato Cruz e Ana Paula Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2006, Economia & Negócios, p. B10

O advogado Marcos Alberto Sant'Anna Bitelli, especialista em Direito da Comunicação, diz que o sistema de televisão digital, que deveria ser discutido com maior participação da sociedade e da cadeia de produção do setor eletroeletrônico, foi atropelado pelo modelo de negócios que interessa às emissoras de televisão aberta ou às empresas de telefonia celular. "O que está em discussão não é a adoção do modelo americano, europeu ou japonês, mas o modelo de negócios." Veja trechos da entrevista:

Qual a vantagem de um modelo em detrimento de outro?

Cada modelo foi criado para atender a necessidades locais; todos podem funcionar e todos podem ser adaptados em qualquer lugar. Nos EUA, 85% da televisão é paga, então o modelo digital priorizou a alta resolução e a qualidade de som. A internet em banda larga também já está disseminada nos EUA e o sistema de televisão digital não teve a preocupação de inclusão digital que o governo brasileiro tem manifestado ter. Os softwares (programas) do sistema europeu são mais abertos, mas o japonês tem a vantagem da imediata mobilidade.

Dá para diferenciar mais?

O sistema japonês permite que a televisão aberta entre nos celulares - se estes tiverem chip para isso - sem ter que passar pelas operadoras de celulares; é tudo em tempo real. Então, esse sistema não muda a realidade das operadoras de televisão aberta, porque os aparelhos passam a funcionar como um rádio, captando a onda. Só que essa transmissão deixa de gerar receita para as operadoras de telefonia e 75% dos aparelhos no Brasil são pré-pagos. Então, isso leva a outra pergunta: será que as operadoras vão financiar aparelhos sem receber das emissoras de TV o que elas ganham pela publicidade?

E o sistema europeu?

O sistema europeu, mais disseminado hoje e com tecnologia disponível e softwares mais abertos, garante às operadoras o ganho pela veiculação de som e imagem. É o mesmo que alguém ligar de um aparelho da Telefônica para um aparelho celular e pagar tarifa em todas as pontas. Há um controle da operação pelas partes.

Para o Brasil, qual seria o melhor sistema?

Do ponto de vista da indústria, a Eletros (associação que reúne fabricantes, entre outros, de aparelhos de televisão) diz que não foi devidamente consultada. Na verdade, nem se chegou a discutir o sistema de televisão digital, pois o que se discute o tempo todo é o sistema de negócios. As emissoras de TV aberta não querem perder com o novo mercado e as operadoras de celular o vêem como nova fonte de receita. O que um sistema ou outro pode resultar em produção industrial não foi avaliado.