Título: Congresso libera alianças, mas OAB vai ao Supremo
Autor: Christiane Samarco e Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2006, Nacional, p. A6

Durou exatos cinco minutos a sessão solene do Congresso destinada a promulgar a emenda constitucional que libera as alianças eleitorais nos Estados, independentemente da coligação fechada para eleger o presidente da República. Postados lado a lado, os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), uniram-se ao plenário nos aplausos que marcaram a promulgação da emenda. Nos bastidores, porém, ambos prevêem vida breve para o dispositivo, tal como foi aprovado.

Já na semana que vem o Supremo Tribunal Federal (STF) deve se manifestar sobre a vigência da emenda para as eleições de outubro, em resposta a duas ações diretas de inconstitucionalidade que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) protocolam hoje. A expectativa geral, da qual partilham líderes aliados e de oposição ao governo, é de que o Supremo manterá a verticalização das coligações este ano, ratificando decisão de sexta-feira do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e declarando a inconstitucionalidade da mudança imediata das regras eleitorais a menos de um ano da disputa.

Além dessas duas ações já tramita no STF desde janeiro um mandado de segurança movido pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) pedindo que o tribunal reconheça que na eleição deste ano ainda prevalece a regra da verticalização, segundo a qual as alianças para a disputa presidencial têm de ser seguidas nas disputas estaduais.

As três ações deverão ser julgadas na quarta-feira pelo plenário do STF. O relator do mandado de segurança, que também poderá ficar responsável pelas ações, é o ministro Cezar Peluso. No julgamento de sexta-feira no TSE, Peluso foi um dos cinco ministros a concluir que a verticalização vale na eleição deste ano. A decisão abriu uma crise com o Congresso.

ANUALIDADE

Nas ações a serem protocoladas hoje no Supremo, a OAB e a Conamp sustentarão que a emenda promulgada não pode ser aplicada às eleições de outubro porque há um artigo na Constituição estabelecendo que as regras eleitorais têm de ser aprovadas pelo menos um ano antes do pleito.

O presidente nacional da OAB, Roberto Busato, disse ontem que o Congresso tenta dar uma espécie de golpe na Constituição. "Isso não é mais aceitável neste país; não se pode rasgar a Constituição ao sabor conveniência eleitoral do momento", afirmou Busato. O presidente da Conamp, João de Deus Duarte Rocha, disse que "a promulgação da emenda pelo Congresso Nacional representa um desapreço a um princípio constitucional, além de casuísmo que só interessa a grupos fisiologistas, em completa dissonância com o atual modelo do Estado Democrático de Direito".

SEM CRISE

Seja qual for o entendimento do STF, a crise institucional está descartada, garantiu Renan. "As tensões sempre existirão, mas não podem descambar para o conflito de Poderes. Não vamos transformar 2006 em um ano vermelho, em bangue-bangue", disse o presidente do Senado. Mas, uma vez publicada a emenda no Diário do Congresso hoje, o PSB apresentará nova consulta ao TSE sobre sua vigência imediata.

"Vamos entrar com nova consulta porque não há razão no mundo jurídico que impeça uma emenda constitucional de entrar em vigor na data de sua publicação", explicou o deputado Beto Albuquerque (RS).

O fim da verticalização vale para este ano?

Sim:*

A emenda que prevê a validade imediata do fim da verticalização de forma alguma contraria outro artigo constitucional, sustenta o advogado-geral do Senado, que atuará ao lado do ex-ministro Paulo Brossard na defesa do Congresso. "A anualidade, o artigo 16, não se aplica a uma emenda constitucional, apenas a leis", afirma. "Outro artigo constitucional, o 59, trata do processo legislativo e prevê a distinção entre emendas, leis complementares, leis ordinárias, etc." Dessa forma, sustenta Cascais, não há como insistir na tese de que o fim da verticalização não pode ser adotado já este ano. Para o advogado-geral do Senado, há outro dado relevante: o artigo 16 não faz parte das cláusulas pétreas da Carta e poderia ser alterado. "Com todo respeito à OAB e ao presidente Roberto Busato, a ação contra a emenda me parece um certo inconformismo. Não há fundamento jurídico." Ele acredita que o fato de o Tribunal Superior Eleitoral ter decidido pela manutenção da verticalização não influenciará a decisão do STF, mesmo que um terço dos membros dos dois tribunais sejam os mesmos.

* Advogado-geral do Senado

Não:*

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) está convencido de que o tribunal vai derrubar a validade imediata da emenda constitucional promulgada ontem pelo Congresso. "O artigo 16 da Constituição é peremptório e prevê que qualquer lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua promulgação", diz Velloso. "Não é possível que a Constituição abrigue a nova emenda e fique em contradição com ela mesma." A regra existe justamente para evitar "casuísmos", destacou o ex-ministro. De acordo com Velloso, o argumento de que o artigo 16 se aplica apenas às leis, e não a uma emenda, não procede. "Uma emenda também é lei no sentido material." Ele acredita que há precedentes no STF em defesa da anualidade. E citou o julgamento da emenda 3, em 1993, que criava e dava validade imediata ao imposto provisório sobre movimentação financeira, desrespeitando o princípio da anterioridade tributária. "A partir da decisão do STF, o imposto só pôde der cobrado no ano seguinte."